A carreira do advogado Gabriel Francisco de Paulo, 26, está se distanciando do modelo tradicional. Após a conclusão do curso de direito, ele chegou a trabalhar em um escritório de advocacia. Hoje, está numa startup de software na área de direito previdenciário no sistema home-office (trabalhando em casa).
A experiência do jovem é um exemplo das mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho. Será o fim das carreiras tradicionais? Esta e outras questões foram levantadas no estudo "Futuro do Trabalho", realizado pelo LinkedIn - rede social profissional - e a WGSN - especializada em previsão de tendências.

Gabriel Francisco de Paulo trocou trabalho no escritório pela home-office de uma
Gabriel Francisco de Paulo trocou trabalho no escritório pela home-office de uma | Foto: Gina Mardones


O levantamento cruzou análises de comportamentos e tendências com dados de mercado para mostrar como as habilidades humanas e tecnológicas podem andar juntas e serem complementares no mercado profissional. "Há uma busca pelo equilíbrio do profissional e do pessoal, onde a produtividade não tem a ver com cartão ponto. Os formatos estão mais flexíveis por causa da demanda dos próprios profissionais. E esse movimento mais flexível só é possível com a tecnologia", afirma Luiz Arruda, head da WGSN Mindset Latam, braço de consultoria da WGSN.
O estudo diz que "a mobilidade, proporcionada pelo boom da tecnologia mobile e pela tolerância com trabalhos remotos, atraiu os formatos de trabalho on demand (demandados por tarefa), o que contribuiu muito para desatar o nó da escassez de empregos fixos, um resultado da crise financeira global de 2008".
O levantamento também aponta que o formato de trabalho de oito horas por dia, cinco dias por semana, está com os dias contados. Até 2020, 40% dos trabalhadores americanos, por exemplo, serão free lancers (independentes).
Essa mudança é encabeçada pelas gerações millennial (nascidos entre as décadas de 80 e 90) e pela geração z (nascidos a partir de 2000). Mas, segundo Arruda, a revolução das relações com o trabalho deve ocorrer com a próxima geração chamada de alpha (nascidos a partir de 2010). "A alpha está sendo educada de outra forma. Enquanto a millennial estava mais conectada com forma anterior de trabalho e a z está mudando a regra do jogo, a alpha já vai chegar ferramentada, gerando novos processos de seleção, em que o empregador se tornará mais humano e flexível", prevê o Head.

EMPATIA

Outra marca do novo profissional, segundo o estudo, é a empatia. Millennials colocam as pessoas em primeiro lugar e, portanto, entendem que os objetivos das empresas precisam partir do bem-estar de seus colaboradores. "Para eles, os valores morais influenciam suas decisões profissionais e não dá para passar por cima de valores."
Essa nova maneira de ver o trabalho afeta diretamente a forma como querem ser avaliados e a relação com superiores, que precisa ser frequente e próxima. A taxa de rotatividade para os millennials é mais de duas vezes maior do que as outras gerações na força de trabalho atual, e eles tendem a trocar de emprego duas vezes mais rapidamente do que os não-millennials.
De acordo com o relatório do Inside the Mind of Today's Candidate do LinkedIn, as três principais razões pelas quais eles decidem mudar de emprego são falta de oportunidades de progressão na carreira, compensação e recompensas insatisfatórias ou falta de trabalho desafiador.
Na visão do consultor empresarial Wellington Moreira, colunista da FOLHA, enquanto nas gerações passadas a busca por segurança era muito presentes, os jovens focam na qualidade de vida, sem se preocupar com uma carreira permanente.
De acordo com ele, a nova geração, que está com 20 e poucos anos, não passou por dificuldades em casa e isso se reflete no comportamento no trabalho. "Vemos as pessoas saírem do emprego após uma semana porque não sabem lidar com a cobrança", diz o consultor.

FUTURO

Segundo a coaching e executiva de recursos humanos Bia Nóbrega, estudos indicam que as crianças alpha serão adultos independentes, bem resolvidos, que olham o contexto e se adaptam sem se apegar. "A percepção é de uma geração que tem um pensamento simples sem ser simplista. Ela vê os fatores e variáveis, mas não vê problema em deixar alguma variável de fora na resolução de problemas. Nossa geração acreditava que precisava encaixar de qualquer maneira todas as variáveis", comenta
A coaching acredita que será uma geração desapegada e que sofrerá menos. "Enquanto para a geração z o importante é curtir a jornada e não o destino, a próxima não terá destino. Ela será mais bem resolvida", afirma.

Trabalho sem limites físicos
O estudo Futuro do Trabalho diz que, para imaginar o ambiente de trabalho do futuro, é preciso desconstruir a noção de limites físicos e comportamentais. "Uma organização sem limites (boundaryless) se baseia em comportamentos fluidos e adaptáveis, e não em práticas corporativas rígidas. Não há isolamento entre as áreas, a mudança é bem-vinda e o que importa são as pessoas e o interesse comum."
A startup em que o advogado Gabriel Francisco de Paulo trabalha utiliza do conceito "sem limites". Todos os profissionais atuam em home-office. "É uma experiência legal. Tem gente de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Essa diversidade é interessante", afirma.
Esta é a sua primeira experiência com home-office. "Eles precisavam de alguém com conhecimento técnico para dar suporte aos clientes e a área de desenvolvimento. Também cuido da área de marketing", contou.
Para ele, os desafios estão sendo no sentido de abrir a cabeça para coisas novas, conciliar e colocá-las em prática. "É diferente da advocacia e tem me dado a oportunidade de conhecer um cargo novo. Me vejo desenhando uma carreira nesta direção", afirma o advogado.

NÔMADE

O estudo da WGSM e da LinkedIN também aponta para o crescimento do nomadismo digital. O levantamento mostra que o mercado se torna cada vez mais viável para atender o autônomo que deseje abraçar o potencial criativo e social da economia peer-to-peer (ponto a ponto) enquanto estiver no exterior.
Um exemplo é o modelo de negócios da startup Remote Year que reúne criativos - como desenvolvedores da Web, designers gráficos e jornalistas - de todo o mundo para passar um ano trabalhando e viajando juntos. Um grupo de 75 pessoas visitou 12 cidades diferentes ao longo de um ano.

Novo jeito de selecionar profissionais
A geração z encontra um mercado em mudança com discussões de novas formas de trabalho, que fogem das regras consagradas da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). E essas novas formas também passam por novos processos de seleção. "Para que a pessoa possa ter sucesso, ela precisa entender a vaga e a empresa. O posicionamento dela no mercado em relação ao cliente e ao trabalhador. Isso é importante para fazer uma boa escolha", aconselha Bia Nóbrega, coaching e executiva de Recursos Humanos.
Para o consultor empresarial Wellington Moreira os departamentos de RH precisam desenvolver um novo olhar. Um olhar para as experiências de vida como morar fora do país, comportamento nas redes sociais, se fez voluntariado. "Os gestores estão vendo como as pessoas lidam com os desconfortos da vida", diz Moreira.
O estudo do LinkedIn, Tendências Globais de Recrutamento 2018, que entrevistou mais de 8 mil especialistas em recursos humanos, aponta que a contratação de talentos se tornou extremamente transacional. As buscas por candidatos, a série de entrevistas e a triagem repetitiva são cansativas, ineficientes e mesmo entediantes. "Estamos em uma nova era de recrutamento, que se concentra nas partes mais gratificantes do trabalho, a humana e a estratégica."
O estudo Futuro do Trabalho faz um alerta: é preciso investir no desenvolvimento de talentos em todo o ciclo de vida útil e produtiva - por meio da educação e do emprego - porque isso aumenta o capital humano.
Dados da pesquisa confirmam que a especialização e a capacidade do indivíduo se expandem à medida que ele começa a trabalhar. Essa divisão de responsabilidade das escolas com o mercado de trabalho pode promover uma verdadeira revolução nos sistemas educacionais e nas tomadas de decisão das empresas.