SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) decidiu retomar a investigação contra os principais bancos brasileiros por suposta discriminação a corretoras de criptoativos.

Em votação nesta quarta-feira (20), os conselheiros da autarquia optaram, em unanimidade, por restaurar investigação administrativa sobre o encerramento unilateral de conta corrente das corretoras pelos bancos e recusa de abrir nova conta corrente, sem justificativa.

A ação foi movida em setembro 2018 pela ABCB (Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain) depois que o Banco do Brasil fechou a conta corrente da Atlas, plataforma para operar bitcoin.

Segundo o ABCB, o BB atribuiu o encerramento da conta a uma decisão administrativa, o que configuraria prática abusiva, já que as corretoras de criptomoedas precisam do acesso ao sistema financeiro tradicional.

A Associação, então, denunciou o BB, Bradesco, Itaú, Santander, Banco Inter e Sicredi ao Cade por suposta conduta ilícita de recusa de contratar, que resultaria em efeitos anticompetitivos independentemente de culpa.

O processo foi arquivado em dezembro de 2019, depois que bancos alegaram riscos atrelados à lavagem de dinheiro, citando que as atividade das corretoras de criptomoedas não são reguladas e que a incompatibilidade entre a movimentação financeira e o faturamento das corretoras é motivo de investigações contínuas. Os bancos afirmaram também que há desconhecimento da origem dos valores nas contas da corretoras e existem normas do Banco Central que possibilitam encerrar contas sem exposição de motivos ou notificação prévia.

A ABCB recorreu do arquivamento e pediu a participação do BC nas investigações do Cade. Em abril, porém, a autarquia reafirmou o arquivamento.

Em 13 de maio, a conselheira do Cade Lenisa Rodrigues Prado decidiu retomar o processo, sendo apoiada de forma unânime pelo colegiado nesta quarta (20).

"Entendo que não foram apresentadas justificativas razoáveis para legitimar o encerramento das contas correntes e a recusa em novas contratações", diz Lenisa em seu relatório.

A investigação agora será retomada, com indicação de participação de BC, CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e Receita Federal.

"Visando evitar o risco de empurrar as corretoras de criptoativos independentes para um 'limbo' do sistema financeiro (o que poderia inclusive aumentar os riscos relacionados à lavagem de capitais), o Cade deve exercer seu dever de proteger a concorrência neste mercado em ascensão", diz Lenisa em relatório.

O setor de criptomoedas não é regulado pela CVM ou pelo BC. Em 2019, a Receita emitiu primeira regulação sobre criptoativos no Brasil, ao exigir que transações envolvendo moedas virtuais sejam comunicadas ao órgão, de modo a fiscalizar transações e combater crimes de sonegação, lavagem de dinheiro e corrupção.

O Mercado Bitcoin, corretora de criptoativos, vê a decisão do Cade como um importante passo para o direito concorrencial.

"Muitas das alegações de cumprimento de normas regulatórias dos bancos podem ser sanadas por outras medidas. A manutenção de conta corrente é essencial para cumprir a regulamentação sobre prevenção a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, sendo que o rastreamento de movimentações financeiras só é possível por meio de contas", diz a corretora.

"É uma importante vitória para o setor cripto e uma grande oportunidade para que se construa uma relação mutuamente satisfatória entre o ecossistema e o sistema financeiro incumbente", diz Safiri Felix, diretor-executivo da ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia).

Em nota, o Banco do Brasil diz que prestou ao Cade todas as informações solicitadas e que continuará contribuindo com o quanto se mostrar necessário.

"O BB reafirma seu compromisso com práticas que respeitam a livre concorrência, com base na ética e na livre competição entre os agentes econômicos, em estrita observância à legislação e aos normativos de regência", afirmou.

O Santander não quis comentar a decisão do Cade.

Procurados, Itaú, Bradesco, Banco Inter e Sicredi não responderam até a publicação desta reportagem.