Peças únicas, de boa qualidade e com preço justo, a era dos brechós pode estar ainda no começo. Com um crescimento notável nos últimos anos, as roupas de segunda mão vem ganhando cada vez mais espaço nos guarda-roupas. Nos últimos quatro anos, o Paraná apresentou um crescimento de 73% na abertura desse tipo de negócio, o que é bom para o bolso e para o meio ambiente. Consultora e gestora de projetos na área de comércio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) no Paraná, Alessandra de Almeida explica que o crescimento desse tipo de negócio, principalmente durante a pandemia, foi impulsionado pela chegada de um novo perfil de consumidor economicamente ativo: a chamada “geração Z”. Segundo ela, esses jovens, nascidos entre a segunda metade da década de 1990 até meados de 2010, consomem em brechós por conta de uma preocupação com a pauta da sustentabilidade. “Quando a gente fala em brechó, a gente está falando em uma moda circular, de um reaproveitamento [das roupas]”, detalha. Assim como é consumidora, a geração Z também encabeça a abertura desse modelo de negócio, aponta a consultora. De acordo com dados do Sebrae, o Brasil tem mais de 118 mil brechós presentes em 4.391 municípios, apresentando um crescimento de pouco mais de 50% na abertura de novos negócios nos últimos quatro anos. No Paraná, o crescimento é ainda mais expressivo, já que em 2020 foram abertos 868 brechós, enquanto que em 2023 o número saltou para 1.509, representando uma expansão de 73% nesse modelo de negócio. Hoje, o estado tem 8.687 brechós, sendo que apenas seis cidades não possuem registros de lojas que comercializam artigos de segunda mão. Designer de moda e pesquisadora na área da moda sustentável, Bianca Baggio explica que é perceptível uma mudança de comportamento de consumo nos últimos dez anos. Dentro desse cenário, os brechós chegam impulsionados pela geração mais jovem, que veio com um pensamento diferente sobre as roupas de segunda mão. Estigmatizado ao longo das décadas e vinculado às classes mais humildes, ganhou status de vintage. Essa mudança de ponto de vista foi motivada, segundo ela, por uma perda do poder de consumo das classes mais altas, que passaram a enxergar um modelo de negócio viável, inclusive na designação, já que a expressão, em inglês, “second hand” foi adotada com força para caracterizar um brechó. “Começaram a gourmetizar [o brechó] para tirar o [caráter] pejorativo da roupa usada”, explica. EMPREENDER NUNCA É FÁCIL Apesar de parecer fácil, a consultora do Sebrae Alessandra de Almeida afirma que é necessário entender como funciona o modelo de negócio antes de decidir que é hora de empreender no ramo. Ela reforça que a forma mais segura de dar início a um brechó é começar dentro de casa, já que assim é possível avaliar se o produto vai ter entrada no mercado antes de dar um passo maior, como a locação de espaços físicos. Foi em um quarto na casa dos pais que Bruna Caroline da Silva, 29, começou a empreender. Precisando fazer uma renda para custear a alimentação e o transporte durante a faculdade, em 2015 ela começou a vender peças que estavam paradas no seu guarda-roupa, assim como algumas que vinham por meio da mãe, que trabalhava como doméstica e ganhava muitas roupas das patroas. Na época, os grupos no Facebook eram o principal canal de venda. Ainda que de maneira informal, o brechó foi dando certo. Dois anos depois, ela resolveu dar um passo mais audacioso, criando um canal de vendas exclusivo para o brechó. A partir daí, nasceu a marca Brunis Brechó como um perfil no Instagram. “Como estava tendo muita demanda, eu percebi que era necessário formalizar e começar a ir atrás de outras roupas”, afirma, complementando que foi nessa época que passou a garimpar peças em outros brechós e a comprar de fornecedores. Conciliando a vida de empreendedora com o final do curso, tirava os fins de semana para fazer as fotos das peças e publicar nas redes sociais. Apostando no empreendimento, Silva negou uma oferta de emprego em sua área de formação e passou a se dedicar 100% ao brechó. “Na pandemia, cresceu muito essa era dos brechós e de consumir roupas de segunda mão. [Nesse período] aumentou muito o número de seguidores, de curtidas, muitas pessoas de outros estados começaram a seguir e a comprar”, explica. Foi nesse momento em que Silva percebeu que era uma empreendedora e que toda a sua renda vinha do brechó. “O Instagram é muito relativo, tem dias que está muito bom, tem dias que não está, então você tem que estar sempre buscando um jeito novo de aparecer”, admite. Para ela, os stories são o principal canal de venda dentro do Instagram, inclusive para fazer com que o cliente vá até a loja física atrás do produto. MOVIMENTO PARA A ECONOMIA LOCAL Responsável pela emissão de cerca de 8% dos gases de efeito estufa, de acordo com dados da BCG (Boston Consulting Group), a indústria têxtil é a segunda mais poluente do mundo. O cenário preocupante levanta alertas para a importância do consumo consciente e de trazer um tempo de vida maior para as peças de roupa. A designer de moda e pesquisadora Bianca Baggio afirma que os brechós têm um papel fundamental para a circularidade da moda e o fortalecimento da economia local. Segundo informações do Sebrae, 76,7% dos brechós são comandados por microempreendedores individuais e 20,6% são caracterizados como microempresas. Ao mesmo tempo em que as peças comercializadas no brechó vêm de fornecedores locais, o dinheiro gerado através da venda tende a ficar ali, explica a pesquisadora. “Eu gasto na padaria do meu bairro, eu pago a manicure, a cabeleireira, então a gente circula o dinheiro em um circuito menor”, aponta, complementando que, ao comprar em grandes lojas, o dinheiro vai para os conglomerados da moda, geralmente estabelecidos fora do Brasil. “Iniciativas como o brechó, [assim como] outras de economia circular, são essenciais para o fortalecimento e valorização da economia e da produção local”, afirma. Além das peças de segunda mão, os brechós também podem ser a porta de entrada para pequenos artesãos que querem comercializar produtos como roupas, tapetes ou guardanapos. “O brechó traz uma parte que se perdeu muito nas relações de consumo, que é essa aproximação com o outro, com esse afeto, um atendimento mais personalizado. Cria-se ali uma relação de amizade e de fraternidade na comunidade, que é uma coisa que o ambiente de shopping e de fast fashion não te proporciona”, detalha. Amante dos brechós, a agente de viagens Natália Cordeiro, 29, afirma que o preço mais em conta praticado nas lojas de segunda mão foi o que, de início, chamou sua atenção, mas o quesito sustentabilidade também entra na conta. Para ela, a qualidade das roupas é uma das coisas que mais gosta, principalmente se a peça tiver na etiqueta a sigla CGC (Cadastro Geral de Contribuinte). A abreviatura atesta que a peça foi fabricada entre 1964 e 1998, já que o CGC era o registro de pessoa jurídica em vigor na época, o que confirma que aquela roupa é, de fato, vintage e tem pelo menos 26 anos de uso. Ainda em 1998, o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) passou a valer no Brasil, substituindo o CGC. Com um guarda-roupa quase todo formado por peças que vieram de brechós, Cordeiro afirma que gosta de apoiar as empreendedoras que comandam, em sua grande maioria, esse tipo de negócio. “[No brechó] os valores são melhores, sem contar a qualidade [porque] conseguimos comprar roupas de marca com valores de peças populares”, opina. TENDÊNCIA AGORA E NO FUTURO Com uma pesquisa de 2022 da BCG indicando que o mercado de itens de moda usados pode crescer de 15% a 20% até 2030, assim como o fator sustentabilidade, associado aos brechós, estar atraindo cada vez mais adeptos, saindo de 62% em 2018 para 70% em 2022, Bianca Baggio afirma que a tendência é que esse mercado continue crescendo. Segundo ela, uma cultura de consumo mais sustentável começa com o comprar de forma mais eficaz, que passa pelo consumo no pequeno negócio do bairro, fortalecendo toda a economia da cidade. “A tendência é essa consciência do melhor uso dos produtos crescer e, consequentemente, essa busca por produtos de melhor qualidade, com preços menos abusivos e o saber quem fez, a procedência [do produto]”, opina. Apesar do cenário favorável, ela reforça que não é possível dizer que essa mudança de consciência seja coletiva, já que ainda há muito estímulo às grandes marcas e ao fast fashion. “Setores de economia circular nadam contra a maré, mas eles vão crescer cada vez mais porque é para onde as pessoas vão recorrer quando a escassez do outro sistema ficar cada vez mais presente”, aponta. 'CLOSET COMPARTILHADO' Letícia Pionelli Fragoso, 25, sócia-proprietária do Dona Chica Brechó, conta que sempre viu a avó recebendo e separando doações de roupas para entregar para famílias carentes. “Eu sempre tive muito claro na minha cabeça que o que não serve para mim pode servir para outra pessoa”, afirma. Segundo ela, a concepção de que as roupas não são descartáveis sempre foi compartilhada entre a família, tanto é que, em 2018, ela criou o Dona Chica Brechó em parceria com a mãe, Andréa Pionelli Leandro, 48, como uma forma de homenagear a história e a memória da avó, Francisca, que faleceu em 2010. Fugindo do estereótipo de que brechós são locais sujos e com roupas velhas, o Dona Chica foi pensando para ser um local “chique”, como conta Fragoso. “São brechós que você encontra fora, mas até então aqui no Brasil eu não tinha encontrado nenhum”, aponta, ressaltando o pioneirismo no segmento. Uma estratégia utilizada no início do negócio foi também disponibilizar peças novas para a venda, já que isso faria com que os clientes fossem, aos poucos, se interessando pelas roupas de segunda mão. “Muitas clientes não compravam roupas usadas, mas iam pelo ambiente, pelas roupas novas e acabavam se acostumando, fazendo amizade ali e, de repente, viraram clientes somente de roupas usadas”, relembra. A empreendedora garante que vê o brechó como um “closet compartilhado”, já que muitos clientes vendem suas peças ali enquanto já estão escolhendo as novas roupas que vão levar para casa. Ela explica que as peças que chegam até o brechó passam por uma curadoria e o que não pode ser comercializado vai para doação. Em alguns casos, roupas e calçados com manchas passam por customização para que possam continuar sendo usados. “Um tênis que era branco vira preto, vira azul. Uma camisa que está furada ou com algum detalhe vira um cropped, então a gente customiza a peça para que ela tenha mais uma vida com a próxima pessoa”, detalha. Com roupas a partir de R$ 2,50, ela garante que os valores nem se comparam aos preços praticados em lojas convencionais. “Não tem motivo para eu deixar um valor muito alto porque o meu intuito é que a peça vista alguém”, destaca. Hoje, o Dona Chica Brechó conta com quase 140 mil seguidores nas redes sociais. Em um único dia, a loja já chegou a receber mais de 1.500 pessoas e a vender 1.239 peças de roupa. Com tantos clientes dentro e fora de Londrina, Fragoso tomou a decisão de lançar um e-commerce para atender um maior número de clientes, ao mesmo tempo em que simplifica o processo de compra. Por mês, o site recebe mais de 20 mil acessos. O SONHO DA LOJA FÍSICA Para muitas pessoas que começam a empreender em casa, ter um cantinho para chamar de seu pode até parecer um sonho longínquo, mas talvez seja apenas uma questão de tempo. Para Bruna Caroline da Silva, após uma experiência ao longo de 2023 com o brechó no espaço físico de uma amiga, ela deu o passo mais importante do negócio até agora: abrir a própria loja. Localizada na Avenida Juscelino Kubitschek, a loja completa três meses neste mês de abril. “Na pandemia, o brechó cresceu muito, ele ficou muito conhecido pelas redes sociais, então, nesse período, eu ficava pensando como seria a minha loja [física]”, explica, complementando que, aos poucos, já foi comprando araras e manequins para a loja mesmo sem ter previsão de quando os planos sairiam do papel. Hoje, o cantinho é organizado da forma que ela pensou, com peças separadas por cor e petiscos para clientes. Entre os principais desafios de empreender, a jovem admite que ser responsável por todas as etapas, desde a publicação das peças disponíveis no perfil, a organização da loja física, a compra de mercadoria e a parte financeira, é cansativo, mas reforça que, para ela, o brechó é tudo. “Empreender é difícil, tem seus altos e baixos, algumas coisas vão fazer com que você queira parar, ainda mais [estando] sozinha, mas se você gosta daquilo que faz, você vai conseguir”, afirma.

MATERNIDADE COMO ALAVANCA PARA O NEGÓCIO

Stephanie Toshie Otani, 36, também entrou no ramo dos brechós pela necessidade de renda. Mãe solo de quatro, em 2018 ela teve que sair do emprego em que estava por não conseguir conciliar a maternidade com o trabalho. Com o apoio de amigos, que doaram as primeiras roupas, surgiu a ideia do negócio. O Hebram Brechó, que é a junção do nome dos filhos, nasceu em 2018. O negócio funciona em um cômodo da casa, que ela já cogitou transferir para um espaço físico. No entanto, encontrou no empreendimento on-line uma forma mais lucrativa de ter renda, assim como um modo de ficar sempre perto dos filhos. Com formação em marketing e especialização em e-commerce, aplicou os conhecimentos para que o negócio seguisse e desse certo no virtual.

O investimento no marketing digital e no planejamento do negócio são fatores que fazem a diferença no futuro de qualquer empreendimento. Alessandra de Almeida, consultora do Sebrae, reforça que é necessário ter precaução quando o assunto é empreender, já que a mortalidade de microempresas é alta nos primeiros anos. Entre 2020 e 2023, 584 brechós fecharam as portas no Paraná. Por isso, o empreendedor precisa buscar qualificação e capacitação. “Quando ele está começando, normalmente é ele mesmo que vai estar cuidando de tudo, então é essencial que essa pessoa se desenvolva nessa pauta”, explica. Para Otani, o “boom” nos negócios veio quando ela ampliou as opções de entrega das peças, já que a sede era em Cambé, mas passou a entregar as peças em Londrina, Ibiporã e Rolândia, além de sete estados diferentes. Apesar de ter ouvido muitos comentários de pessoas que não viam o brechó como uma forma de empreender, ela garante que a chave para não desanimar está na autoestima e em acreditar na própria capacidade de fazer aquilo dar certo.