O Brasil tem a menor arrecadação de tributos sobre renda, lucro e ganho de capital e a segunda maior sobre consumo, segundo comparação feita pela Receita Federal com países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne as nações mais industrializadas e algumas das emergentes. Os números mostram que há maior incidência proporcional de impostos sobre os mais pobres e trabalhadores formais do que sobre os mais ricos e os especuladores financeiros, o que mostra a importância de um debate mais amplo sobre a reforma tributária, marcado para o primeiro semestre de 2018 no Congresso Nacional.

De acordo com o estudo Carga Tributária no Brasil, divulgado no último dia 27 pela Receita Federal, o Brasil fechou 2016 com 32,4% de arrecadação em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), uma diferença de 0,3 ponto percentual ante os 32,1% de 2015. O crescimento foi pequeno e ocorreu diante de uma queda de 3,5% na geração de riquezas entre os dois anos.

Para fazer a comparação com os países da OCDE, porém, a Receita usou os 32,1% de 2015, ano dos dados mais recentes disponibilizados pelo órgão internacional. O percentual de recolhimento brasileiro é o 23º maior entre as 32 nações que integram a entidade e que tiveram dados disponibilizados em todos os comparativos – o México, por exemplo, não consta na reportagem por falta de dados sobre impostos sobre consumo.

Imagem ilustrativa da imagem Brasil tem menor arrecadação sobre renda em 33 países



As diferenças
Os países mais desenvolvidos e marcados por estados que são fortemente promotores do bem-estar social abocanham percentuais maiores do PIB, como é o caso dos líderes Dinamarca (45,6%), França (45,5%), Bélgica (44,8%) e Finlândia (44,0%). Por outro lado, emergentes como Turquia (30,0%), Coreia do Sul (25,3%) e Chile (20,7%) são mais comedidos do que o governo brasileiro.

Mas é na comparação por base de incidência que o Brasil se mostra divergente em relação à OCDE. O País recolhe 18,4% do total sobre renda, lucro e ganho de capital. O percentual médio na OCDE é de 33,6%. Já a arrecadação sobre movimentação de bens e serviços brasileira é a segunda maior do ranking, com 49,3% do total. A média da OCDE fica em 32,4%.

O presidente do Conselho Superior do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), Gilberto Luiz do Amaral, afirma que a maior incidência sobre consumo faz com que os mais pobres gastem mais, proporcionalmente. "Por ser um País em desenvolvimento, não poderia ter uma carga tributária maior do que a Alemanha, por exemplo, mas não pode perder em arrecadação e mantém um modelo que sobrecarrega determinados agentes com a cobrança sobre bens e serviços", diz.

Ele não enxerga vontade de o governo tornar mais justa a forma como a cobrança é feita. "A tributação sobre a renda e o patrimônio é muito evidente porque há um índice que se paga todos os anos, mas os mais de 40% sobre o consumo estão embutidos no preço, que é uma forma de o governo ludibriar o contribuinte", conta Amaral. "Politicamente, isso se mantém porque existe um lobby grande no Congresso formado para proteger alguns segmentos da economia", completa.

Para o presidente do Sindicato dos Economistas de Londrina, Ronaldo Antunes, o formato de tributação maior sobre bens e serviços do que sobre a renda também prejudica o mercado interno. "Temos até mesmo produtos básicos com alíquotas altas enquanto vemos nos países da OCDE impostos menores para muitos produtos, o que incentiva o consumo", diz.

Paraíso do consumismo, os Estados Unidos, por exemplo, têm a menor alíquota média do comparativo, com 4,4%. "A população de lá passa a consumir tecnologia, vestuário, bens de uso intensivo, o que serve para aumentar a atividade produtiva", cita Amaral.

Ainda, Antunes menciona atividade de especulação com mais facilidades do que a produção. "Existem atividades com altos lucros, como os bancos, mas que pagam baixos impostos, além de investimentos financeiros ou no mercado de ações que chegam a ter isenção, apesar de gerar renda", completa.

Latinos
É importante ressaltar, contudo, que a arrecadação sobre o PIB brasileira é, ao lado da argentina, a segunda maior da América Latina e Caribe, atrás apenas de Cuba (38,6% do PIB). Entre os vizinhos mais próximos, o Uruguai tem 27,0%, seguido por Bolívia (24,7%), Venezuela (20,9%), Colômbia (20,8%) e Paraguai (17,9%). A Receita não disponibilizou informações por base de incidência nesses países.

Reforma em debate terá simplificação

Marcada para ser apresentada em fevereiro ao Congresso, a proposta de reforma tributária cujo relator é o deputado federal paranaense Luiz Carlos Hauly (PSDB) não mexerá na regressividade, mas, sim, na simplificação da cobrança. O projeto prevê a extinção de sete tributos federais (IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins e salário-educação), do ICMS (estadual) e do ISS (municipal), em troca da criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), do Imposto Seletivo e da Contribuição Social sobre Operações e Movimentações Financeiras, um tipo de nova CPMF. Ainda, a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) seria absorvida pelo IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e ocorreria redução da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.

O presidente do Sindicato dos Economistas de Londrina, Ronaldo Antunes, afirma que a simplificação é válida porque tornaria mais transparente e menos trabalhosa a arrecadação sobre o setor produtivo. No entanto, não enxerga movimentação para reduzir a regressividade. "A reforma em discussão não foca na melhor distribuição entre quem paga os tributos, com a renda dos mais ricos continuando a não ser tributada e com isenções em folha de pagamento que são estranhas quando se fala tanto em rombo previdenciário", diz.

Com as contas públicas apertadas, ele considera que uma das premissas da reforma será não reduzir a arrecadação e não prejudicar a repartição entre União, estados e municípios. "Sobra para quem tem a capacidade menor de se mobilizar", diz, ainda que considere válida a simplificação. "Será o primeiro passo para que a população entenda que o pobre e o trabalhador formal são quem pagam mais impostos no Brasil", completa Antunes.

Para o presidente do Conselho Superior do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), Gilberto Luiz do Amaral, trata-se da reforma possível. "Só teremos uma mudança ampla se o Estado quebrar, ou vai ser sempre um paliativo porque existem vários lobbies", diz. Ele lembra que qualquer proposta seria passível de críticas. "Tem o mérito de querer simplificar, mas não é a resposta a todos os problemas ou vontades."

'O modelo precisa mudar', diz IBPT

O presidente do Conselho Superior do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), Gilberto Luiz do Amaral, afirma que a maior tributação sobre o consumo do que sobre a renda é característica de países em desenvolvimento durante o século 20 e que permaneceu no Brasil, ainda que não atenda mais a própria necessidade. "O modelo precisa mudar porque é regressivo e porque há muitos tipos de renda e patrimônio que poderiam ser tributados."
Ele lembra que uma das teorias mais comuns para conservar o cenário atual é que uma arrecadação mais forte sobre renda poderia desestimular a vinda de investimentos ao País. "A ameaça de fuga de capital não se sustenta, porque o argumento perdeu força com as políticas de combate aos paraísos fiscais e com acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que visam coibir a erosão das bases tributárias."
Mesmo que outros emergentes oferecessem condições melhores, o tributarista diz que a transferência seria pequena. "Iria para onde? O México tem uma tributação baixa no geral, mas essa migração tem suas limitações", completa.