SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A discussão já tem alguns dias. Parte dos empresários começou a questionar a necessidade de um isolamento quase absoluto da população, por tempo prolongado como melhor estratégia das autoridades de saúde para enfrentar a pandemia do novo coronavírus no Brasil.

As medidas de restrição ao trânsito de pessoas e funcionamento do comércio implementadas pelos estados afetaram por tabela operações industriais e têm efeitos ainda imprevisíveis para o crescimento. Já há economistas projetando risco de o país voltar para uma recessão em 2020.

Para uma parcela do empresariado, a política de proteção à saúde, se mal calibrada pelos governos brasileiros, pode deixar as pessoas no isolamento por mais tempo do que o necessário para efeito de proteção contra a doença --e prejudicar de forma injustificável a economia.

Nos últimos dois dias, essa discussão, que era de caráter econômico, ganhou contornos políticos, causando enorme desconforto entre empresários de diferentes setores.

Na noite de terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu em pronunciamento nacional a retomada das atividades e o isolamento apenas de grupos de risco, contrariando infectologistas, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e governadores dos estados.

Na tarde desta quarta-feira (25), foi a vez do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em resposta a Bolsonaro, Maia atribuiu a pressões do mercado financeiro os movimentos em defesa do fim de medidas menos rigorosas de enfrentamento à pandemia.

"A gente não pode deixar de cuidar das pessoas porque as pessoas estão perdendo dinheiro na Bolsa de Valores", disse Maia em reunião do fórum de governadores, que reuniu gestores de 26 estados.

Entre os grandes empresários ouvidos pela reportagem, a maioria do setor produtivo, essas trocas de farpas políticas estão atrapalhando, tando o combate a doença, quanto ações em favor da economia.

Para o vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e presidente da Abiplast (associação da indústria do plástico), José Ricardo Roriz Coelho, "o momento atual exige convergência e união de forças para mitigar o problema humanitário do vírus".

O empresário se disse surpreso com a fala de Bolsonaro. Segundo ele, "deixa a população mais ansiosa e preocupada. De um lado, há empresários com os negócios parando e sem dinheiro para pagar contas. De outro, uma população que não quer correr riscos e tem recomendações para ficar em casa".

"Seria bom que o Executivo se entendesse com o Congresso e com os governadores para ter uma posição única no enfrentamento do problema. Precisamos de um rumo".

O empresário Ricardo Lacerda, sócio-fundador do BR Partners Banco de Investimento, nem discute questões econômicas. Está no grupo que acredita ser melhor seguir a orientação da OMS. "Não é hora de inventar, é hora de proteger vidas. O resto trabalharemos para recuperar depois", afirma o banqueiro.

Alguns, porém, acham que o país precisa encontrar uma forma de atender ao mesmo tempo saúde e economia. Essa é a avaliação do empresário Rubens Menin, fundador da incorporadora MRV e sócio de negócios em vários segmentos, como o Banco Inter e o canal de televisão CNN Brasil.

"O que a gente precisa entender agora é como compatibilizar, com inteligência, a curva de crescimento da doença com a capacidade hospitalar. Feito isso, podemos avançar. Um dia, a economia precisa voltar. E quanto mais cedo for, sem prejuízo das pessoas, melhor será", afirma.

Menin diz ter agora duas preocupações: não deixar quebrar a rede de distribuição que leva insumos e produtos para manter o abastecimento, e preservar pequenas e médias empresas. Ele afirma, porém, que vai ser difícil fazer isso com a escalada de conflitos políticos.

"A briga entre Poderes atrapalha os negócios, mas atrapalha ainda mais a população, que fica desnorteada. Ela vê uma autoridade falar uma coisa e outra falar outra", diz.

"Precisamos unificar o discurso. O Brasil é o único país em que está acontecendo essa desunião. Isso é ruim. Todos os outros países tem discurso unificado. Até os Estados Unidos, onde o presidente é mais polêmico, está unificado", afirma.

Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan, considera pouco 15 dias de quarentena, embora diga entender as preocupações dos empresários.

"De um lado, você não pode deixar a máquina econômica parar de girar porque senão vai ser muito ruim para todo mundo. E ao mesmo tempo, precisa dimensionar com correção quais são os efeitos reais desse vírus", diz o empresário.

Para Luiz Urquiza, diretor-executivo da rede de academias Bodytech, a prioridade deve ser seguir as recomendações da OMS, mas as autoridades devem ter um plano claro de saída da crise. Ele cobra prazos e previsibilidade.

"Temos que ter uma perspectiva sobre como retomar a atividade econômica em um país com proteções sociais tão frágeis", diz. Sua empresa, que emprega 5.000, colocou os funcionários em férias coletivas por 15 dias, prorrogáveis por mais 30.

Depois disso, se o isolamento permanecer, a empresa deverá suspender o contrato de trabalho e fornecer aos empregados cursos de qualificação. A alternativa será usada para evitar demissões, segundo Urquiza.

Tayguara Helou, presidente do Setcesp (sindicato das transportadoras de São Paulo)e diretor da Braspress, é um dos críticos do isolamento de toda a população.

"Não podemos nos dar ao luxo de fazer o isolamento total, tem de ser o parcial [de pessoas de grupos de risco]. Temos uma situação econômico-social muito diferente de países como a Itália, que adotaram a quarentena", afirma.

Para ele, um lockdown (bloqueio, em inglês) no país causaria demissões em massa e grande prejuízo econômico.

"Já vimos uma queda na demanda no setor das transportadoras, que é responsável pela logística de matéria-prima, embalagens, insumos e produtos finais. A maioria das empresas não aguenta 30 dias nesse cenário [de isolamento]", diz ele.

A Braspress, que tem 6.000 funcionários, tem dado férias a parte dos empregados e aumentado a utilização de serviços terceirizados, segundo Helou.

O empresário Junior Durski, da rede de restaurantes Madero, foi um dos que criticou publicamente medidas mais restritivas, como a proibição ao funcionamento do comércio, no combate à pandemia.

Durski recebeu críticas por ter publicado um vídeo em redes sociais em que dizia, por exemplo, "não podemos [parar] por conta de 5 ou 7 mil pessoas que vão morrer [em decorrência do coronavírus]." Em seguida, pediu desculpas e disse ter sido mal interpretado.

À reportagem, o empresário, que declarou o voto em Jair Bolsonaro em 2018 e é sócio do apresentador de televisão Luciano Huck, reiterou críticas ao isolamento total.

"Essa quarentena horizontal, a cada dia que passa, tem consequências [econômicas] grandes. Eu duvido que o Brasil aguente 15 dias sem que as pessoas se desesperem, porque vai faltar dinheiro para comprar comida".

No Madero, diz ele, as vendas atuais caíram 88% em relação ao nível pré-isolamento.

"Estamos fechados para serviço de salão, e abrimos apenas para entregas. Temos caixa para manter nossos 8.000 empregados por três meses, mas a maioria dos restaurantes quebra em duas semanas [em situações similares]", afirma Durski.

O empresário diz concordar com o pronunciamento de Bolsonaro e que o presidente faz um bom governo. "Eu penso exatamente igual, tem que voltar ao trabalho".

Afranio Barreira, sócio da rede de restaurantes Coco Bambu, também afirma estar preocupado com as consequências econômicas da paralisação das atividades.

"Eu entendo as premissas das organizações de saúde, elas estão corretas, mas se mantivermos as empresas fechadas para além do fim do mês, muitas delas vão ter de demitir em massa. Eu estou muito preocupado porque a maioria da população recebe de manhã e gasta à tarde, não tem poupança", diz.

Na rede, que fatura R$ 1 bilhão ao ano, segundo o empresário, as vendas caíram em torno de 80%.

"Estamos trabalhando com serviço de delivery e equipe reduzida e temos reserva de caixa, não vamos demitir os funcionários", afirma.

Marcílio Pousada, diretor executivo da RaiaDrogasil, de farmácias, afirma que mesmo o segmento de farmácias, que viu impacto positivo nas vendas com a alta procura por máscaras e álcool gel, sofre retração de demanda com o isolamento social.

Para ele, no entanto, é importante manter o isolamento das pessoas para conter a pandemia, especialmente as do grupo de risco.

"Deveria existir mais colaboração como um todo, mais trabalho em conjunto [das autoridades]", diz ele.