SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Depois de ter quebrado seu recorde na última quarta-feira (20) ao ultrapassar a barreira dos US$ 66 mil (R$ 376,93 mil), o bitcoin passou por um esperado reajuste nas sessões seguintes, que o colocaram de volta aos US$ 60,5 mil (R$ 345,5 mil) na sexta-feira (22).

Na avaliação de especialistas que atuam no setor, o recuo recente não abala em nada a confiança nas perspectivas positivas de longo prazo para a valorização do bitcoin e de outras criptomoedas.

Segundo Alexandre Ludolf, diretor de investimentos da QR Asset Management, gestora de criptoativos com cerca de R$ 1,1 bilhão, o ano de 2021 ficará marcado pela forte expansão e consolidação do mercado cripto em diversas frentes -com aumento da adoção institucional por grandes empresas e investidores, lançamento de novos produtos financeiros e até países adotando a moeda digital.

"A percepção de que o bitcoin é uma boa proteção contra a inflação permanece ganhando força. E considerando todos os estímulos fiscais e os problemas em importantes cadeias de suprimentos, não podemos descartar um cenário global conturbado e com uma persistência inflacionária, o que impulsionaria o bitcoin ainda mais, via desvalorização das moedas fiduciárias", diz Ludolf.

No ano, o bitcoin acumula valorização de aproximadamente 32,5% em dólar, até 22 de outubro, segundo dados da Bloomberg.

O diretor de investimentos da QR Asset acredita em um cenário com o bitcoin oscilando ao redor de US$ 100 mil (R$ 571,1 mil) no fim do ano. Ele também vê continuidade do movimento de alta em 2022, com o criptoativo podendo se aproximar dos US$ 140 mil (R$ 799,5 mil).

"A regulação não consegue parar a inovação, e as tecnologias públicas descentralizadas continuarão a ganhar penetração nos mais diversos mercados", diz Ludolf.

Axel Blikstad, gestor dos fundos de criptomoedas da BLP Asset, também vê como uma probabilidade bastante factível a cotação do bitcoin encostar nos US$ 100 mil ainda em 2021.

"Depois do que vimos nos últimos dias, não duvidaria o mercado testar esses patamares durante o último trimestre do ano, tem muita gente nova entrando. Não vejo como nenhum absurdo [o bitcoin se aproximando de US$ 100 mil nas próximas semanas]", afirma Blikstad.

Ele lembra que o primeiro ETF (exchange-traded fund, fundo de gestão passiva) de criptomoedas lançado semana passada no mercado americano pela ProShares levantou cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) em apenas dois dias de negociação, evidenciando de maneira explícita o tamanho do interesse dos investidores em torno do tema.

"O lançamento representou a sinalização do principal regulador do mercado global, que é a SEC [Securities and Exchange Commission, a CVM americana], de que está começando a olhar de maneira mais positiva para o ecossistema das criptomoedas como um todo", diz o gestor da BLP Asset, com cerca de R$ 500 milhões sob gestão em fundos cripto, tendo sido a primeira do país a lançar um fundo de gestão ativa de criptomoedas no mercado, em 2017.

Blikstad assinala que a captação do novo fundo indexado nos EUA bateu o recorde anterior alcançado em 2004 por um ETF que acompanha a cotação do ouro -existe uma ala no mercado que defende que o bitcoin pode ser considerado uma reserva de valor, assim como o metal precioso e o dólar.

O gestor da BLP Asset diz que, devido à alta volatilidade, não considera o bitcoin uma reserva de valor, ainda. Mas entende que, com o passar do tempo e o ingresso de novos investidores trazendo uma estabilidade maior para o negócio, o bitcoin e outras criptomoedas podem sim vir a se tornar uma reserva de valor.

No Brasil, a gestora Hashdex foi a pioneira ao lançar em abril o primeiro ETF de criptomoedas no mercado local, que rapidamente atraiu uma legião de cotistas.

No fim de setembro, o fundo indexado se destacava como o terceiro maior em número de investidores na Bolsa brasileira, com 127,3 mil cotistas, atrás apenas de ETFs que acompanham os índices acionários amplos S&P 500 (com 174,2 mil cotistas) e Ibovespa (com 128 mil cotistas).

Gestor de portfólio da Hashdex, João Marco Cunha diz que o movimento recente que levou o bitcoin a romper suas máximas históricas tem um caráter mais sustentável, em comparação ao recorde anterior de abril.

Entre as razões para isso, o especialista aponta o fato de a China ter banido a negociação de criptomoedas no país -no dia 24 de setembro, o Banco Popular da China, o banco central do país, declarou que todas as atividades relacionadas a moedas digitais na região são ilegais.

Embora tenha causado um forte aumento da volatilidade em um primeiro momento, o gestor da Hashdex diz que, nas semanas seguintes, a decisão passou a ser interpretada pelo mercado como positiva, por reduzir o grau de incerteza que constantemente pairava a respeito da atuação do gigante asiático no setor.

Cunha diz ainda que o fato de o presidente da Tesla, Elon Musk, ter reduzido suas declarações públicas a respeito do bitcoin também contribuiu para o desempenho recente da criptomoeda.

"Ainda é um mercado super volátil e vão ter momentos de correção, mas as perspectivas e o cenário macro de cripto parecem bastante positivos", diz o gestor da Hashdex, empresa com cerca de R$ 5 bilhões em ativos sob gestão.

Ludolf, da QR Asset, acrescenta que, embora o bitcoin seja considerado a "moeda de reserva" do mercado cripto, tal como o dólar para o câmbio, diversos modelos de negócio digitais ganharam força no mercado em 2021.

Dentre eles, o diretor de investimentos aponta o mundo das finanças descentralizadas, conhecido como DeFi, e dos NFTs (non-fungible tokens), que vêm sendo utilizados para formas diversas de monetização, das artes digitais aos esportes, passando por modelos de jogos em que o usuário é remunerado pela plataforma ao jogar.

"Acreditamos que a tendência de crescimento dos mercados de DeFi e NFTs continuará, fazendo com que os tokens vinculados a esses projetos continuem demandados e que os protocolos que suportam estas aplicações sejam opções de investimento interessantes", afirma Ludolf.

Recentemente, a gestora de recursos Kinea Investimentos, controlada pelo Itaú Unibanco, se tornou a primeira do seu porte no mercado brasileiro a anunciar a estreia no universo das criptomoedas, com um aporte no ativo digital ether.

Blikstad, da BLP Asset, diz que a criptomoeda ether, negociada pela plataforma Ethereum, é hoje a principal aposta nas carteiras dos fundos, frente ao crescimento das finanças descentralizadas, que não passam pelas grandes instituições financeiras e vêm permitindo a criação de diversos novos nichos de mercado. No acumulado do ano, o cripoativo acumula uma alta que supera a marca dos 3.000%.

SANTOS FAZ PARCERIA COM MERCADO BITCOIN

Um exemplo dessa tendência pode ser vista mais recentemente pelo anúncio de parceria na última sexta-feira (22) entre a plataforma Mercado Bitcoin, de compra e venda de criptomoedas, e o Santos Futebol Clube.

Pelo negócio, a agremiação da Vila Belmiro irá lançar no mercado um token digital, que é o registro de um ativo no universo do blockchain, chamado "Token da Vila".

O ativo digital terá um valor inicial de R$ 50 na data do lançamento, no dia 26, e será lastreado no direito que o Santos FC possui sobre 12 jogadores que formou em suas categorias de base. As regras da Fifa estabelecem que um percentual de até 5% sobre cada transferência do jogador seja retornado aos clubes que os formaram entre os 12 e 23 anos.

Entre os jogadores no grupo, estão estrelas como os atacantes Neymar Jr, do PSG (Paris Saint-Germain), Gabriel Barbosa, do Flamengo, e Rodrygo, do Real Madrid.

"Essa operação é muito interessante, porque ganha o clube, gerando receita nova, ganha o mercado de bitcoin tendo o Santos na sua prateleira de clientes e certamente ganhará o comprador do Token da Vila, porque a expectativa de transacionar esses atletas listados é extremamente alta", disse o executivo de marketing do Santos FC, Rafael Soares, em nota.

O token será remunerado toda vez que acontecer uma transferência onerosa de um dos jogadores da cesta. Serão cerca de 600 mil tokens, que totalizam uma oferta de R$ 30 milhões ao mercado.

Segundo Bruno Milanello, executivo de novos negócios da Mercado Bitcoin, a empresa tem registrado uma média de 100 mil novos investidores por mês em 2021. A plataforma soma uma base com cerca de 3 milhões de clientes, que só neste ano movimentaram aproximadamente R$ 30 bilhões na negociação de criptomoedas.

Em julho, a empresa recebeu um aporte de US$ 200 milhões (R$ 1,14 bilhão) do conglomerado japonês SoftBank, que avaliou o negócio em US$ 2,1 bilhões (R$ 12 bilhões), tornando o Mercado Bitcoin o primeiro unicórnio cripto (startup avaliada acima de US$ 1 bilhão) da América Latina.

Os recursos serão utilizados para aumentar a escala do negócio, expandir a oferta e investir em infraestrutura para atender à crescente demanda por criptomoedas na região.

O executivo afirma também estar nos planos do Mercado Bitcoin novas aquisições -em agosto, a empresa adquiriu e integrou ao seu negócio a Tropix, plataforma de negociação de NFTs- bem como iniciar o processo de internacionalização para a América Latina, em países como México, Colômbia, Chile e Argentina.

"É preciso desmistificar a ideia de que quem trabalha com cripto não gosta de regulação. Desde que o regulador se proponha a manter um diálogo aberto com os agentes do mercado, como é no caso do Brasil, vemos como algo muito positivo, até por dar um conforto para todos os envolvidos, desde o governo até as empresas e os investidores", diz Milanello.