O escritório Cleary Gottlieb, contratado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) por R$ 48 milhões para realizar auditoria que não encontrou resultados, é um velho conhecido do governo brasileiro. Nos últimos anos, os americanos fecharam contratos de aproximadamente US$ 150 (cerca de R$ 630 milhões, na cotação atual) com a Petrobras.

Na última terça-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou a auditoria. Segundo o presidente, houve um erro, sem especificar qual foi. O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, nesta quarta (29), defendeu que o dinheiro gasto não foi tanto em comparação com exemplos internacionais.

Todos os contratos do Cleary Gottlieb com a Petrobras foram fechados sem a realização de licitações, por inexigibilidade no processo de concorrência. Os cinco primeiros, por serviços técnicos de natureza singular, enquanto o último fechou por inviabilidade de competição. Procurado, o Cleary Gottlieb afirma que não comenta questões relacionadas a seus clientes.

Foram seis acordos entre o Gottlieb e a Petrobras desde 2013, sendo que quatro deles ainda estão em vigor. O primeiro deles, de US$ 2,97 milhões (R$ 12,5 milhões), foi para a realização de assessoria e consultoria jurídica em direito nos EUA e tem duração até 2020.

O segundo, em 2014, se encerrou em dezembro do ano passado e tinha o valor de US$ 27.991.056 (R$ 117,6 milhões). O escritório efetuou serviços técnicos jurídicos especializados na defesa dos interesses da Petrobras e de seus gestores e ex-gestores em ações coletivas.

Depois, em 2015, a empresa foi novamente contratada pela petroleira, desta vez por US$ 7.470.000 (R$ 31,4 milhões), para assessoria de operação de "consent solicitation", quando o emissor de um título propõe alterações nos termos de um contrato de segurança ou gerenciamento corporativo. Esse acordo durou dois anos.

Novamente em 2015, a Petrobras contratou o escritório para defender a empresa e seus gestores perante um tribunal em Nova York por US$ 3 milhões (R$ 12,6 milhões), em acordo que vai durar até setembro deste ano.

Em 2016, o Cleary Gottlieb foi novamente acionado pela petrolífera, no que foi o maior acerto entre as partes até então: US$ 105,360 milhões (R$ 442,6 milhões) pela defesa dos interesses da Petrobras e de gestores em ações individuais movidas por investidores. O contrato dura até janeiro do ano que vem.

A última contratação entre as partes ocorreu em julho de 2018, com quatro anos de duração, por serviços jurídicos em ação confirmatória de sentença arbitral, no valor de US$ 3.519.485 (R$ 14,8 milhões).

Em seu site oficial, o Cleary Gottlieb cita experiência de seus parceiros em defender a Petrobras "em litígios de fraude de valores mobiliários decorrentes da 'Operação Lava Jato', um dos maiores escândalos de corrupção da história da América Latina".

Existem várias menções à Petrobras no site do escritório. Em uma delas, em setembro de 2019, os advogados definem a petrolífera como "cliente de longa data" e apontam que representaram a empresa em ofertas de compras de aproximadamente US$ 7 bilhões (R$ 29,4 bilhões).

Em outra, em agosto do ano passado, o escritório aponta que representou em ofertas de compra pela subsidiária Petrobras Global Finance, por preço de compra que ficou em até US$ 3 bilhões (R$ 12,6 bilhões).

Em nota de novembro de 2019, o Cleary Gottlieb aponta que defendeu a República Federativa do Brasil em ofertas registradas de US$ 2,5 bilhões (R$ 10,5 bilhões) em títulos globais.

Ainda segundo registros no site, o escritório diz ter representado o BNDES em ofertas de títulos de US$ 2,5 bilhões (R$ 10,5 bilhões), nos anos de 2013, 2014 e 2017. O banco confirma já ter contratado o Cleary Gottlieb para assuntos de assessoria jurídica internacional.

Na última terça-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou um termo aditivo de contrato para realização de uma auditoria no BNDES que não encontrou indícios de corrupção, feita pelo Cleary Gottlieb.

Segundo o presidente, houve um erro. "Informações que tenho até o momento: essa auditoria começou no governo Temer. E teve dois aditivos. O último aditivo parece, não tenho certeza, seria na ordem de R$ 2 milhões. E chegou a R$ 48 milhões no final. Tá errado, tá errado", disse Bolsonaro.

"Tem coisa esquisita aí. Parece que alguém quis raspar o tacho. Não sei se vou ter tempo para estar com Paulo Guedes hoje, parece que ele está em Brasília. É o garoto lá [Gustavo Montezano, presidente do banco], foi o garoto, porque, conheço por coincidência desde pequeno, o presidente do BNDES é um jovem bem intencionado. E ele que passou as informações disso que falei para vocês agora que são os aditivos. A ordem é não passar a mão na cabeça de ninguém. Expõe logo o negócio e resolve", continuou o presidente.

O BNDES gastou R$ 48 milhões em relatório de investigação externa referente a operações entre o banco e as empresas JBS, Bertin e Eldorado, entre os anos de 2005 a 2018. A auditoria não encontrou indícios de corrupção em oito operações investigadas.

O banco divulgou em 10 de dezembro que o relatório indicou que não foram encontradas evidências diretas de corrupção, influência indevida sobre a instituição ou pressão por tratamento diferenciado na negociação, aprovação e/ou execução das oito operações investigadas.

Nesta quarta (29), o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, defendeu a assinatura de aditivos contratuais na investigação que apurou operações feitas pela instituição no passado e afirmou que o dinheiro gasto não foi tanto em comparação com exemplos internacionais. "O valor é muito dinheiro, mas não assusta", disse.

Um dos aditivos foi firmado sob a gestão de Montezano (que entrou no banco em 2019), e gerou um valor extra de R$ 2,3 milhões à firma de auditoria KPMG. A suplementação, de acordo com o executivo, foi feita para que empresa ampliasse os trabalhos e analisasse novos dados. A empresa era responsável por revisar a investigação comandada por outros escritórios.

Procurada, a Petrobras afirmou que celebrou contratos com o escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP para atuação fora do território brasileiro, em demandas envolvendo direito estrangeiro.

A OAB, por sua vez, disse que solicitou informações sobre o contrato do BNDES com o escritório Cleary Gopttlieb Steen & Hamilton com o objetivo de verificar se foram cumpridas as normas legais que disciplinam a atuação de escritórios estrangeiros no Brasil.

No mesmo sentido, foram enviados ofícios para a Eletrobras e para a Petrobras, solicitando informações de contratos com todos os escritórios de advocacia estrangeiros ou consultores que prestaram serviço às empresas nos últimos cinco anos.

A OAB afirma que, de acordo com as normas (provimento 91/2000), o profissional estrangeiro pode atuar no Brasil em assuntos de direito específico e estrangeiro, ou seja, não pode alcançar matéria de direito brasileiro, seja em consultoria, seja em procuratório judicial.