Cerca de 65% de todo o volume de cargas escoado no território nacional são transportados por rodovias, o principal modal logístico do país. No transporte de passageiros, esse percentual é ainda maior, representando 95% dos deslocamentos totais. Mas com uma extensão que ultrapassa os 1,7 milhão de quilômetros, o mapa rodoviário do Brasil apresenta enormes discrepâncias. Enquanto em algumas regiões há estradas duplicadas, com farta sinalização e serviços de apoio aos motoristas, em quase 80% das rodovias nacionais não existe sequer pavimentação. Apenas 12,4% da extensão total da malha do país são asfaltados, o que corresponde a 213,5 mil quilômetros. E entre as estradas com asfaltamento, há muitas em péssimas condições por falta de manutenção adequada.

Além de prolongar o tempo de viagem, a má qualidade das rodovias eleva o custo do transporte e pode limitar o crescimento de determinadas regiões. É o que aponta a 27ª Pesquisa CNT de Rodovias 2024, elaborada em parceria com o SEST/Senat. No levantamento, foram avaliados 111.853 quilômetros, o que corresponde a 52,4% da extensão pavimentada. Os dados reunidos pela CNT mostram a relevância do transporte terrestre e apontam que a qualidade das estradas exerce influência direta no desenvolvimento econômico e social brasileiro.

A partir do ranking nacional da qualidade das estradas brasileiras apresentado na pesquisa, o que se conclui é que nas regiões mais desenvolvidas do país se concentram as melhores estradas. Os dez primeiros lugares do levantamento foram ocupados por rodovias sob jurisdição estadual, 90% delas, entregues à concessão, e todas, localizadas na Região Sudeste, sendo nove em São Paulo e uma no Rio de Janeiro. A primeira colocação ficou com a SP-270. A CNT classificou como “ótimo” o trecho de 272 quilômetros entre os municípios de Presidente Epitácio e Ourinhos, no interior paulista.

No top 10, a única rodovia que mantém a gestão pública é a SP-463, a sétima colocada. Nesta rodovia, a avaliação foi feita no trecho de 192 quilômetros, iniciando em Ouroeste e terminando em Clementina.

Na busca pelo Paraná no ranking, fica evidente o quanto o Estado ainda tem a melhorar em infraestrutura rodoviária. A melhor posição alcançada foi a 50ª, correspondente aos 183 quilômetros da BR-369, entre as cidades de Campo Mourão e Cascavel. Sob gestão pública federal, o trecho foi considerado “bom” em uma classificação que se divide em cinco níveis: ótimo, bom, regular, ruim e péssimo.

A pior colocada entre as rodovias que cortam o Paraná foi a BR-158, também sob gestão federal. Após percorrerem os 78 quilômetros de extensão entre Palmital e Laranjeiras do Sul, os técnicos consideraram a qualidade ruim e a rodovia ficou na 471ª posição, bem perto do fim da lista, que vai até o número 527, onde se encontram os 76 quilômetros da PE-545, percorridos entre as cidades pernambucanas de Exu e Ouricuri, na Região Nordeste. A PE-545 está sob gestão pública.

“Isso acaba confirmando o histórico da pesquisa e também os números agregados, que mostram que a qualidade das rodovias que foram concedidas, de forma geral, é melhor do que a das rodovias públicas. Mas também existem rodovias concedidas com problemas”, apontou o diretor executivo da CNT, Bruno Batista.

Ele destacou a relação entre a cobrança de pedágio e a qualidade das rodovias, o que justificaria as primeiras colocações no ranking. “Olhando o final da tabela do ranking, nas dez últimas, se percebe um cenário inverso. Todas são de gestão pública. Seis das dez encontram-se na Região Nordeste e todas elas são de jurisdição estadual. Os estados, hoje, têm maior dificuldade do que o poder federal de manter um bom nível de qualidade das rodovias”, afirmou.

Entre o total das rodovias brasileiras avaliadas e que estão sob concessão, 63,1% foram classificadas como ótimo e bom e 36,9%, como regular, ruim e péssimo. Na gestão pública, o percentual de rodovias avaliadas em bom ou ótimo cai para 22,7% enquanto a soma das rodovias em estado regular, ruim e péssimo sobe para 77,3%.

Quando se compara o estado geral das rodovias, tanto públicas como concedidas, no recorte por regiões, o Sudeste tem o melhor percentual de estradas avaliadas como ótimo ou bom, totalizando 44,8%, embora mais da metade tenha sido classificada como regular, ruim ou péssima, o que corresponde a 55,2%. São Paulo é o estado com as melhores estradas, sendo 75,4% delas ótimas ou boas, 24,6%, regulares ou ruins, e nenhuma avaliada como péssima.

A Região Sul aparece na terceira colocação, atrás da Região Centro-Oeste, com 30,1% das rodovias em estado ótimo ou bom e 69,9%, regular, ruim ou péssimo. O Paraná tem 37,6% das estradas em ótimas ou boas condições e 62,4% em condições regulares, ruins ou péssimas.

Para o superintendente da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), João Arthur Mohr, o resultado da pesquisa reflete as condições das estradas paranaenses após três anos do fim do contrato de concessão. A cobrança do pedágio foi suspensa no final de 2021 e ainda não foi retomada na maior parte das rodovias. “Nem o poder público estadual nem o federal tem capacidade financeira para manter as rodovias em um padrão ótimo e bom, como as concessionárias conseguem”, afirmou. “O primeiro fator que joga a qualidade das rodovias do Paraná muito para baixo é não termos, no período da pesquisa, quase nenhuma rodovia concedida. São Paulo é o estado que mais tem concessionárias, são mais de 25 concessões. O Paraná tem três”, comparou.

No início deste ano, o Paraná entregou à concessão os lotes 1 e 2, totalizando cerca de 1,1 mil quilômetros de rodovias estaduais e federais. Os lotes 3 e 6 têm leilões previstos para os próximos dias 12 e 19 de dezembro, respectivamente. Os mais de 1,2 mil quilômetros de rodovias incluídos nos dois lotes deverão receber um investimento de R$ 35 bilhões nos 30 anos de vigência dos contratos. Os certames dos lotes 4 e 5 deverão ficar para 2025.

“Tivemos um atraso de três anos no processo. Se não, já estaríamos com as concessionárias no quarto ano de contrato e elas estariam entregando as duplicações e outras obras importantes, como o contorno de Califórnia. A falta de continuidade na cobrança do pedágio atrapalhou a qualidade das rodovias”, destacou Mohr.

Com o atraso, o superintendente da Fiep acredita que somente a partir de 2030 os dados da pesquisa CNT deverão mostrar os resultados das melhorias promovidas pelas empresas concessionárias. A federação elencou os quatro pontos que mais afligem o setor produtivo paranaense e a infraestrutura do Estado está entre eles, juntamente com a empregabilidade, a questão energética e o aumento da produtividade.

Sobre as consequências econômicas das más condições na infraestrutura rodoviária, Mohr ressaltou o aumento dos custos com logística, uma vez que os atrasos no transporte de cargas até o Porto de Paranaguá, muitas vezes, fazem com que as empresas percam a janela de embarque e tenham que esperar o próximo navio, descumprindo o prazo de entrega das mercadorias exportadas. Mas a qualidade das rodovias também é apontada como fator determinante para a instalação de novas empresas no Estado. “Quando a empresa vem se instalar aqui, ela procura logística.”

Sem investimentos de novas indústrias, o desenvolvimento econômico do Estado é prejudicado. “A infraestrutura vem antes do desenvolvimento. Tem que preparar a infraestrutura, preparar as estradas, as duplicações porque aí, toda cidade vai crescer, vai melhorar a condição de toda a região. A região do Paraná que mais cresceu recentemente foram os Campos Gerais, que têm rodovias totalmente duplicadas até o Porto”, destacou Mohr. “A solução é conceder à iniciativa privada, desde que traga tarifa justa, garantia de execução das obras, o cumprimento do cronograma e haja fiscalização desse cronograma, com ampla transparência em todo o processo.”

A CNT calcula que os problemas na manutenção das estradas brasileiras acarretaram um consumo adicional de 1,18 bilhão de litros de diesel a um custo de R$ 6,81 bilhões. “Esses recursos poderiam ter sido investidos em outras áreas, como no aumento da frota de maior eficiência energética ou em ações de reflorestamento”, disse Batista.

Procurado pela reportagem, o DER/PR esclareceu, via assessoria de comunicação, que administra aproximadamente dez mil quilômetros de malha rodoviária estadual, divididos em mais de 200 rodovias, e conta com investimentos de aproximadamente R$ 1,7 bilhão distribuídos em dezenas de contratos de conservação, manutenção, operação de tráfego, segurança viária, balanças e manutenção de pontes e viadutos.

A avaliação da qualidade das estradas feitas pelo DER/PR traz um resultado bem diferente do apresentado pela pesquisa CNT. De acordo com o órgão estadual, em 2023, 68% da malha rodoviária estadual estavam em condições boa e ótima, 28%, em condição regular, e 4%, em condições ruim ou péssima.

Brasil teria de investir quase R$ 100 bi para melhoria da malha rodoviária, calcula CNT

A partir de 2016, houve queda no orçamento federal disponível para as rodovias. Em 2016, foram liberados R$ 12,6 bilhões, caiu para R$ 6 bilhões em 2021 e no ano passado voltou a crescer, chegando a R$ 13 bilhões. Ainda assim, o volume é insuficiente para ampliar a infraestrutura rodoviária nacional. A CNT (Confederação Nacional do Transporte) calcula que seriam necessários R$ 70,56 bilhões em investimentos para restauração e reconstrução e R$ 29,21 bilhões para manutenção, totalizando R$ 99,77 bilhões. A conta inclui as rodovias federais e as estaduais.

Quando se compara a infraestrutura viária do Brasil com a de países vizinhos ou de dimensões semelhantes, é possível perceber com maior nitidez os problemas da infraestrutura interna. Em termos de densidade de rodovias pavimentadas, o país conta com cerca de 25,1 quilômetros de rodovias asfaltadas por mil quilômetros quadrados de território. Em outros países da América Latina, como Uruguai, Argentina e Equador, essa proporção oscila entre 31,4 e 42,3 quilômetros por mil metros quadrados de área.

Comparado a países que assim como o Brasil possuem grandes dimensões territoriais, entre eles, China, Estados Unidos e Austrália, a diferença é ainda maior. A China contabiliza 477,0 quilômetros de rodovias pavimentadas por mil quilômetros quadrados de área, os EUA, 437,8 quilômetros, e a Austrália, 94,0 quilômetros.

O estudo da CNT também ressalta o maior equilíbrio entre os diferentes modais para o transporte de cargas em outros países. Na Austrália e nos EUA, por exemplo, o transporte rodoviário representa 34% e 56% da matriz, respectivamente, contra 65% no Brasil.

A CNT observou que a evolução da malha pavimentada tem sido insuficiente para acompanhar as crescentes demandas para escoamento da produção nacional e para abastecimento interno. De 2013 a 2023, a ampliação dos trechos asfaltados foi de apenas 2,2% nas rodovias sob jurisdição federal. No mesmo período, a frota brasileira cresceu 46,1%.

Para solucionar os gargalos na infraestrutura rodoviária no país, o diretor executivo da CNT, Bruno Batista, aponta alguns caminhos. O primeiro deles seria a ampliação do investimento em rodovias previsto no Orçamento Geral da União, mas ele também defende a aprovação da PEC 01/2021, que determina que pelo menos 70% dos recursos obtidos com outorgas onerosas de serviços de infraestrutura de transportes sejam reinvestidos no próprio setor, apoia o veto ao contingenciamento de recursos, a aplicação integral nas rodovias do dinheiro arrecadado com o Cide-Combustíveis, a promoção de parcerias público-privadas para manutenção de rodovias, o fomento à participação internacional no financiamento de infraestrutura rodoviária, a ampliação de investimentos do BNDES em projetos do setor e a utilização dos recursos do Funset, conhecido como fundo das multas, para melhoria das rodovias, sobretudo da sinalização.(S.S.)