Apesar da posição contrária do BNDES, a AGE (Assembleia Geral Extraordinária) da Copel aprovou nesta segunda-feira (10) a modelagem para a transformação da companhia em corporação, sem controlador definido. A AGE manteve as alterações definidas na lei estadual aprovada em novembro do ano passado, que retira do governo do estado o papel de controlador da companhia e reduz o poder de voto do BNDES Participações S/A, segundo maior acionista da estatal paranaense.

O governo do Paraná detém 69,7% das ações ordinárias, com direito a voto na AGE, o que garantiu a continuidade do processo de desestatização. O BNDESPAR detém 12,4%. No total das ações, incluindo as preferenciais sem direito a voto, o governo detém 31,1% da companhia, e o BNDESPAR, 24%. A lei estadual que possibilitou a transformação da Copel em companhia de capital disperso foi aprovada no dia 23 de novembro pela Assembleia Legislativa do Paraná. Pela mudança, a participação do governo ficará limitada a 10% do total das ações com direito a voto.

Resistência política

A posição contrária do BNDESPar às alterações sinaliza que o processo enfrentará resistência política por parte do governo federal. Na sexta-feira (7), o BNDESPar emitiu um comunicado em que pediu a retirada de quatro pontos da pauta da assembleia realizada nesta segunda, entre eles a reforma do estatuto da companhia e a conversão das ações preferenciais em ordinárias, o que reduz o controle por parte do governo do estado.

“O BNDESPar, em seu posicionamento na AGE, levará em consideração a natureza estratégica da Companhia e o seu relevante papel para segurança energética do Brasil, bem como assegurará os direitos e interesses do BNDES como banco público, que financia e participa da empresa há mais de 30 anos”, informou o comunicado do BNDESPar, assinado pelo presidente do BNDES, o ex-ministro e ex-deputado Aloizio Mercadante.

Para o deputado estadual Arilson Chiorato (PT), a Assembleia Geral é mais um elemento para tentar derrubar as mudanças na Justiça. O PT ajuizou uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal) para barrar trechos da lei estadual que autorizou a transformação da companhia. O partido alega que não houve debate, já que o projeto tramitou em regime de urgência, e que uma lei estadual não pode dispor sobre bens da União (as ações que pertencem ao BNDESPar).

Na semana passada, o ministro do STF Luís Roberto Barroso negou ao PT uma liminar para suspender a realização da Assembleia Geral da Copel. Em sua decisão, Barroso determinou que o relator da ação, ministro Luiz Fux, ficará responsável por “sustar as alterações que tiverem sido feitas no Estatuto da Copel, caso assim entenda de direito”, após o fim do recesso do Judiciário.

“A decisão do estado do Paraná, na minha avaliação, vai dar condições para que o ministro Fux possa constatar o prejuízo que o BNDES e os outros acionistas terão se for mantida a cláusula de perda de poder dos outros participantes”, afirmou Arilson Chiorato. “A decisão do estado do Paraná de continuar fazendo de forma arrogante esse processo vai dar subsídios jurídicos para que a Adin seja acatada”.

Chiorato participou da assembleia de ontem como acionista. Ele diz ter comprado 13 ações da companhia, por R$ 103,84, para acompanhar o processo na AGE. “Durante a assembleia eu fiz um pedido para que não fossem considerados os votos do estado do Paraná, por conflito de interesses, por ter sido o estado do Paraná quem implementou as mudanças e ele é o próprio favorecido. Fui voto vencido”.

O deputado lembrou ainda que pode ter havido uma “maquiagem” contábil no balanço da Copel, para omitir uma dívida junto ao Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura Energias Renováveis (FIP IEER). Uma multa no valor de R$ 3,2 bilhões teria sido determinada pelo Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá, fórum de arbitragem de contratos em projetos de geração de energia eólica.

Questionada pela CMV (Comissão de Valores Mobiliários), a companhia admitiu a dívida, mas afirmou que no fim de 2022 foi provisionado o valor de R$ 629 milhões como “perda provável” em relação à disputa. Outros R$ 339 milhões teriam sido provisionados como “perda possível”. Já o valor de R$ 2,6 bilhões teria chance de “perda remota”, segundo a companhia.

Nota da Copel

Em nota emitida no domingo (9), a Copel informou que as alterações no estatuto são necessárias para a entrada da companhia no Novo Mercado da B3 e que as solicitações do BNDESPar seriam avaliadas pela AGE. “A administração da Companhia destaca que Novo Mercado é um segmento especial exclusivo para companhias que adotam as mais elevadas práticas de governança corporativa, um dos pilares da estratégia da Copel, e analisará oportunamente a submissão de tais matérias à deliberação dos acionistas”, diz a nota assinada pelo diretor de Finanças e de Relações com Investidores da Copel, Adriano Rudek de Moura.

Até o fechamento desta matéria, a Copel não havia se manifestado sobre o resultado da Ação Geral desta segunda-feira.

Engenheiros contra

Um grupo de engenheiros lançou um manifesto contra as mudanças na Copel. A regional paranaense da Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia destacou que, desde o início do governo de Ratinho Júnior (PSD), o lucro líquido da estatal cresceu 249,63%, de R$ 1,4 bilhão em 2018 para R$ 5 bilhões em 2021 (valor maior que o esperado com a venda das ações).

Para os engenheiros, uma das consequências da desestatização será o aumento das tarifas de energia elétrica. “Na década de 90, se iniciou no Brasil um amplo programa de privatizações, inclusive com impactos no setor elétrico. Observou-se o aumento expressivo das contas de energia, muito acima da inflação. Entre 1995 e 2019, a inflação apresentou variação de 458,28%, enquanto o item energia elétrica residencial subiu 1.020,09%”.