A pandemia do novo coronavírus promoveu mudanças profundas no mercado de trabalho. As infecções no ambiente de trabalho e os consequentes afastamentos preocupam os empregadores, e a necessidade de isolamento social acelerou o processo de transformação digital das empresas. Com a implantação do teletrabalho, os trabalhadores precisaram dominar novas habilidades para continuar desempenhando as mesmas atividades a distância. Tudo isso coloca uma interrogação sobre o mercado de trabalho do futuro próximo.

Imagem ilustrativa da imagem As transformações do mercado de trabalho com a pandemia
| Foto: Gustavo Carneiro

O trabalho em casa vai exigir que os profissionais se qualifiquem na área de TI (Tecnologia da Informação), opina Gustavo Santos, Secretário Municipal do Trabalho. "Eu acho que home office vai perdurar, não tem volta. As empresas perceberam que diminuíram seus custos de viagens e reuniões e demanda de tempo. Acho também que a qualificação da área de TI vai ser fundamental, as empresas vão investir cada vez mais em home office e têm que investir em tecnologia. Os trabalhadores vão ter que estar preparados para estas demandas."

Mas com as aulas suspensas, a avaliação do secretário é que no futuro próximo as empresas não exijam tanta qualificação e experiência dos candidatos a emprego. "Não há como se fazer qualificação presencial no momento. Então as empresas terão que aceitar a mão de obra mesmo sem experiência, e terão que qualificar durante o processo de trabalho. Hoje um garoto de 18 anos que está fazendo 19 não teve como se qualificar para o mercado de trabalho. Acredito que as exigências vão diminuir", opina.

Ao mesmo tempo, Santos vislumbra o retorno da terceira idade ao mercado de trabalho para mitigar os riscos de disseminação do novo coronavírus e afastamentos. "Acredito que pode haver uma movimentação das empresas contratarem as pessoas que já tomaram a segunda dose da vacina para diminuir riscos. Vai haver espaço de reinserção da terceira idade no mercado de trabalho."

OPORTUNIDADE

As atividades relacionadas à logística - principalmente a última milha (entrega ao consumidor final) deverão ser altamente impactadas devido ao aumento das vendas pela internet, opina o economista, professor da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) Campus Londrina e colunista da FOLHA, Marcos Rambalducci. "Todos os setores que estiverem envolvidos com esta atividade vão ter um crescimento muito grande na geração de empregos em função do aumento das vendas pela internet."

"Quem estiver trabalhando no almoxerifado, entrega, contabilidade, recepção e conferência de mercadorias, todas as atividades que envolvem a administração da entrega terão crescimento bastante significativo", completa o economista.

INDÚSTRIA

Em março, a indústria foi o setor que mais contratou no Paraná, com geração de 5.572 vagas, segundo dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged). O setor corresponde a 48% do total de contratações no período. No total, o Estado criou 11.507 postos de trabalho no mês. O economista da Fiep (Federação das Indústrias do Paraná) avalia que, diferente do ano passado, as indústrias foram consideradas atividade essencial e puderam manter suas linhas de produção operantes. Além disso, as empresas souberam lidar melhor com o controle do contágio.

Junto com a alta na demanda de mão de obra na indústria, vem a necessidade de qualificação. "A indústria é a que mais emprega e é quem paga os maiores salários devido à exigência de qualificação", comenta Suelen Glinski, chefe do Departamento do Trabalho da Sejuf (Secretaria da Justiça, Família e Trabalho) do Paraná.

EMPREENDEDORISMO

O teletrabalho também fez aumentar a demanda por profissionais da área de tecnologia, e o empreendedorismo ficou latente com a pandemia, com profissionais abrindo o negócio próprio com alternativa ao emprego, afirma Glinski. "Talvez seja a oportunidade de a pessoa voltar a estudar. A pandemia abriu novas oportunidades, e outras profissões não demandadas passaram a ser, como a área de tecnologia."

A Sejuf, segundo a chefe de departamento, está investindo na capacitação de profissionais com programas de educação profissional e capacitação de empreendedores, como os programas Carreta do Conhecimento e Recomeça Paraná. "Dar oportunidade para o profissional não é só emprego formal. Há outras formas de emprego e renda além da carteira assinada", ressalta.

Trabalho em casa exige novas habilidades

Para o economista Marcos Rambalducci, o perfil do profissional passará por mudanças devido ao trabalho a partir de casa. No comércio, por exemplo, isso vai exigir dos trabalhadores habilidade para fazer as vendas a distância. "Isso vai mudar completamente as características do vendedor. Ele vai ter que ser proativo, e as vendas vão exigir uma boa retórica por parte do vendedor, que não vai ter o comprador vindo até ele. Isso vai exigir uma mudança de perfil de comunicação deste profissional."

Apesar da mudança, o professor afirma que não é necessário mão de obra qualificada para desempenhar estas atividades. "Precisa ter um treinamento mínimo em cima dos recursos de informática, mas não exige conhecimento grande. Em muito pouco tempo as habilidades são transferidas."

"Uma característica que já era importante para todo profissional de qualquer área, seja ele menos qualificado ou mais qualificado, é a capacidade de desaprender e aprender novamente", comenta Heverson Feliciano, coordenador de Ecossistemas de Inovação do Sebrae/PR. "Você tem que ter uma capacidade de abertura a novos conhecimentos, a novos relacionamentos, novos formatos, novas formas de fazer negócio que serão criados."

Neste contexto, os trabalhadores menos qualificados poderão sofrer o impacto das mudanças do mercado de trabalho. Porém, qualificação não necessariamente precisa passar pelo Ensino Superior, enfatiza Feliciano. "Não é desvalorizar uma faculdade, mas tudo é uma questão de qual é a necessidade, e muitas vezes cursos técnicos mesmo podem resolver o problema das empresas e dar uma excelente oportunidade de crescimento para a pessoa."

MUNDO DIGITAL

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| Foto: Gustavo Carneiro

Formada no curso técnico de vestuário, Alice Mazuchin, de 20 anos, diz acreditar que o novo cenário desenhado pela pandemia vai abrir oportunidades para os profissionais recém-formados. Porém, ela pretende seguir o caminho oposto da carteira assinada atuando como estilista ou dando aulas. E empreender, neste novo contexto, será mais fácil, ela afirma, já que hoje o "escritório" é na internet. "Hoje é muito mais simples com internet, não precisa de tanto investimento."

Embora o curso na área de vestuário já exija o uso de softwares para os desenhos técnicos, Mazuchin diz acreditar que a capacitação para o uso de ferramentas digitais será essencial para a sua carreira. "Sou um zero à esquerda no computador. Tenho que fazer um curso para aprender a mexer com isso."

CAPACITAÇÃO

Antes da transformação tecnológica nas empresas que acelerou o processo de digitalização do trabalho, foi preciso acontecer a “transformação humana”, destacou o coordenador de Educação Profissional e Tecnológica do Senai Londrina, Victor Cunha. “De nada vale a ferramenta, ter todo o recurso, se não sabe operar.”

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Essa mudança despertou nos profissionais o interesse pela capacitação. No Senai, o número de matrículas para cursos técnicos semipresenciais aumentou em 10% após a pandemia. Cursos de curta duração também passaram a ter grande procura. Modelagem e corte e costura, panificação e confeitaria, metalmecânica, como solda, torno e frenagem industrial, e mecânica automotiva foram algumas das áreas de maior interesse, assim como segurança no trabalho e tecnologia da informação e tecnologia da comunicação, cujo mercado local está bastante aquecido e carente de mão de obra qualificada.

“As empresas intensificaram o volume de treinamento dos colaboradores por meio de cursos ofertados no Senai. Uma coisa interessante que aconteceu foi o fato de as empresas procurarem o Senai para treinamentos que fossem ao vivo e on-line, que é o presencial conectado”, disse Cunha. A instituição já tinha esse modelo de ensino preparado, mas o que ocorreu foi uma massificação do uso dessa tecnologia de entrega de aulas. (colaborou Simoni Saris/Reportagem Local)

Desemprego em alta, mão de obra especializada em baixa

É um contrassenso ver, em nível nacional, a taxa de desemprego crescendo enquanto a demanda de mão de obra especializada na área de tecnologia aumenta, diz Carlos Relvas, co-fundador e cientista de dados chefe da Datarisk, empresa de especializada na área de Machine Learning e Inteligência Artificial de São Paulo.

Carlos Relvas e Jhonata Emerick, fundadores da Datarisk
Carlos Relvas e Jhonata Emerick, fundadores da Datarisk | Foto: Divulgação/Datarisk

A taxa de desemprego atingiu 14,4% no trimestre encerrado em fevereiro, de acordo com a pesquisa mensal do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgada nesta sexta-feira (30). Esse é o maior nível para o período na série histórica iniciada em 2012 e representa 14,4 milhões de brasileiros que estavam em busca de emprego.

Conforme as pesquisas que apontam as áreas da tecnologia como os maiores empregadores do futuro, a demanda por profissionais no setor de TIC cresce exponencialmente. Segundo a Brasscom, a estimativa é que serão necessários 420 mil trabalhadores para trabalhar no setor até 2024.

O problema está na formação de mão de obra: enquanto o Brasil forma 46 mil pessoas com perfil tecnológico por ano, seriam necessárias 70 mil para suprir a necessidade do mercado. Logo, há um déficit de 24 mil formandos na área de Tecnologia da Informação (TI).

Para Relvas, a falta de mão de obra especializada pode ter duas causas. Uma delas é a "fuga de cérebros" para empresas do exterior. "Com o dólar valorizado, tenho muitos amigos que trabalham do Brasil para empresas de fora ganhando em dólar", disse ele durante um evento com jornalistas na última quinta-feira (29). Outro ponto levantado por ele é a falta de investimentos públicos em educação de mais qualidade, que traz implicações principalmente para as áreas de exatas.

Por outro lado, o CEO da Datarisk, Jhonata Emerick, aponta a necessidade de se aprimorar as habilidades do profissional. Na área de dados, por exemplo, o pensamento crítico é essencial. "Um dos nossos melhores cientistas de dados é biólogo, mas tem pensamento crítico. Talvez seja questão de desenvolver essas 'skills' (habilidades), metodologia a gente ensina depois."

Com ferramentas prontas no mercado, o profissional também não precisa saber escrever linhas de código, dependendo da profundidade do que se quer fazer. Basta ter clareza do que precisa, saber usar bem a ferramenta, saber selecionar um bom profissional para fazer os códigos e gerenciá-lo.

Já quando se fala de pessoas que ocupam empregos não qualificados, a intervenção do estado se faz necessária, acrescenta Emerick. "Como levar IA para o frentista do posto? Aí acho que tem que entrar o Estado, porque ninguém tem a força, a capilaridade e a potência do estado em termos de recursos e de foco."

Discriminação salarial na mira da justiça

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (29) a urgência do projeto que pune com multa as empresas que pagarem às mulheres salário menor que o de homens que exerçam a mesma função. A multa proposta é de cinco vezes a diferença salarial constatada, a ser paga à funcionária lesada. Os deputados ainda precisam apreciar o mérito do projeto, mas ainda não há data para isso.

A tramitação do projeto foi cercada por controvérsias. A Câmara aprovou o projeto em dezembro de 2011. No Senado, o texto chegou a ser arquivado no final de 2018, sendo desarquivado em março de 2019. No final de março deste ano, o texto foi aprovado no Senado, com uma emenda de redação que acabou alterando o mérito do texto.

Em 5 de abril, o projeto foi enviado à sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No último dia 22, Bolsonaro criticou o projeto e afirmou ter dúvidas sobre se deveria sancioná-lo ou vetá-lo. O presidente disse que, se vetar, será "massacrado", mas, se sancionar, questionou se as mulheres teriam mais facilidade de conseguir emprego.

No dia seguinte às declarações de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu a devolução do texto para nova apreciação pela Casa, apontando para a mudança de mérito, o que exigiria nova apreciação pelos deputados.

Para Ricardo Nunes de Mendonça, advogado com ênfase em Direito Processual do Trabalho, o PL "é uma medida que, ao menos no campo legislativo, se propõe a combater a injustificada discriminação de gênero."

Porém, ele observa que o projeto de lei, por si só, não tem a capacidade de resolver o problema da discriminação salarial. "Primeiro porque isso depende de ação sindical e social organizadas, o que tem sido cada vez mais difícil em um ambiente de enfraquecimento das entidades sindicais como o que se vive atualmente", diz.

Em segundo lugar, ele pontua que somente serão punidas as práticas ilegais que chegarem ao judiciário. "E desde a reforma trabalhista o propósito é tornar o acesso à Justiça mais difícil e mais caro paras as trabalhadoras e trabalhadores brasileiros."

Em terceiro, ele afirma que "a prova da discriminação por gênero nem sempre é fácil e enfrenta décadas de resistência machista no Judiciário Trabalhista", ele continua.

O advogado destaca ainda que a ausência de fiscalização gera ilegalidades como esta. "O senso de impunidade acaba estimulando práticas ilegais, inclusive diferenças salariais pautadas em gênero, raça e condição sociofamiliar."

"Ou seja, embora o Projeto de Lei, se aprovado e sancionado pelo Presidente da República, venha representar um importante avanço em matéria de combate à desigualdade de gênero, não se pode deixar de dizer que as desigualdades históricas só são reduzidas por meio de permanentes processos de luta e transformação social", ele conclui.(com Folhapress)