A internet sequer havia se popularizado no país quando os contratos de concessão das rodovias do Anel de Integração do Paraná entraram em vigor. No final dos anos 1990, as rodovias, que se encontravam em péssimo estado, começaram a passar por melhorias. A conservação da pavimentação teve melhorias inegáveis, mas não demorou muito para as tarifas subirem ao ponto de ficarem incompatíveis com a estrutura.

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| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Um estudo da UFPR (Universidade Federal do Paraná) encomendado pela Frente Parlamentar dos Pedágios da Assembleia Legislativa mostrou que, em 24 anos, as concessionárias entregaram pouco mais da metade das duplicações previstas nos contratos.

Investigação do MPF (Ministério Público Federal) revelou um esquema que teria desviado ao menos R$ 8,4 bilhões por meio do aumento de tarifas de pedágio do Anel de Integração, e de obras rodoviárias não executadas. Entre os réus estão concessionárias e agentes públicos.

A assinatura dos contratos se deu no governo de Jaime Lerner, em 1997. Seu sucessor, Roberto Requião, chegou a bradar o famoso “baixa ou acaba”, sem qualquer resultado efetivo. Beto Richa, que governou na sequência, foi enquadrado como réu no esquema de corrupção, fato que negou, afirmando ser inocente, dizendo que nunca compactuou com desvios.

Já as concessionárias preferiram firmar acordos com o Ministério Público Federal para ressarcir os cofres do Estado. Alguns ainda se estendem, inclusive com a execução de obras previstas em contrato que estão inacabadas.

O fato é que neste fim de semana, 24 anos depois, as concessões, finalmente, chegam ao fim e o Paraná se livra das amarras de um contrato considerado desastroso. A zero hora deste sábado (27), foram abertas as cancelas dos trechos administrados pela Econorte, Viapar e Ecocataratas. A partir da 0h de domingo (28) é a vez das praças administradas pela Caminhos do Paraná, Rodonorte e Ecovia.

Até que o leilão na Bolsa de Valores ocorra, o que está previsto para o final do ano que vem, e as novas concessionárias assumam os trechos, a manutenção e assistência aos usuários serão garantidas pelo Governo do Paraná, por meio do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) em parceria com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT).

O governador Ratinho Junior (PSD) classificou o momento como um dos mais importantes para a história do Paraná. “Hoje é o dia do livramento. É o ponto final de um capítulo ruim da história do nosso estado, de um contrato mal feito. Um pedágio colocado de modo caro, que não entregou as obras que estavam no contrato. Um contrato que através de atos políticos teve muita corrupção e mentiras sobre este assunto”, comentou durante a coletiva.

ASSISTÊNCIA

Durante a coletiva, o governador e os secretários estaduais de Infraestrutura, Saúde e Segurança Pública detalharam o plano de operação integrado que o Governo do Estado criou para assumir a gestão das rodovias a partir do fim das atuais concessões.

Inicialmente, os veículos passarão apenas pelas vias laterais das praças de pedágio, enquanto as pistas centrais serão bloqueadas.

O tráfego será monitorado pelas Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Rodoviária Estadual (PRE). Nos primeiros dias, a remoção dos veículos para liberação de pista será feito pela Polícia Militar, PRE e PRF, enquanto não é firmada a contratação de uma empresa com serviço de guincho. A retirada dos veículos da rodovia será de responsabilidade do condutor.

O atendimento de acidentes com vítimas será feito pelo Corpo de Bombeiros, por meio do SAMU. Foram destinadas 38 novas ambulâncias em todo o estado para atendimento prioritário e rodovias. Ao todo, o Paraná possui cinco helicópteros, um avião, duas motos, 217 ambulâncias de suporte básico e 67 ambulâncias de suporte avançado, com tripulação médica obrigatória.

FESTA EM JATAIZINHO

Na praça mais cara do Estado, na BR-369, em Jataizinho, os últimos viajantes a passar pelo local antes da desativação comemoram o fim da tarifa de R$ 26,40. “É uma cobrança muito injusta. É absurda. Estou muito feliz por me livrar desse peso, porque passo sempre por aqui. A gente só espera que depois de um ano, os preços não sejam nessas proporções”, manifestou-se Edina da Silva Lopes.

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Um casal de Assaí, que precisa se deslocar para Londrina toda semana também comemorou. “Vai ser muito bom, porque não há como pagar esse preço”. Nos minutos finais, alguns motoristas pararam no acostamento para aguardar a zero hora e evitar a cobrança.

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O agente da (PRF) Polícia Rodoviária Federal Renato Alves comentou que ainda não é possível afirmar se a desativação da praça vai refletir em aumento de tráfego na rodovia, que liga Londrina ao Norte Pioneiro e também aos principais centros do Sudeste do País. "Talvez haja um aumento de caminhões pesados, que utilizavam outras vias para fugir da tarifa. Mas ainda é cedo para afirmar", contou.

Apesar do policiamento, alguns veículos estouraram as cancelas antes da desativação. O deputado federal cassado Boca Aberta compareceu ao local e discursou,entre queima de fogos. (Celso Felizardo e Patrícia Maria Alves, editores; e Francielly Azevedo, especial para a FOLHA)

Frente parlamentar questiona e Fiep defende novo modelo de pedágios

A instalação de 15 novas praças de pedágio, a validade de 30 anos do novo contrato, podendo ser estendida por mais cinco anos, e o degrau tarifário de 40% estão entre as principais preocupações levantadas pelos críticos dos termos do edital enviado ao TCU para homologação. “Se persistir o edital colocado lá no TCU, vai ser muito pior para a economia paranaense. Embora o preço (da tarifa) diminua, a gente vai ter mais tempo e mais praças cobrando. A gente vai pagar mais no longo prazo. É muito preocupante”, declarou o deputado estadual e coordenador da Frente Parlamentar sobre o Pedágio, Arilson Chiorato (PT).

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| Foto: Rodrigo Felix Leal/Seil

O projeto eleva de 27 para 42 o número de praças de pedágio. O degrau tarifário, que hoje é de 24%, subirá para 40% após a conclusão das obras previstas em contrato, segundo Chiorato.

Gerente de Assuntos Estratégicos da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), João Arthur Mohr discorda do posicionamento da Frente Parlamentar e vê avanços no modelo de concessão proposto pelo governo federal. Inicialmente, a intenção do Ministério da Infraestrutura era adotar o modelo híbrido, uma combinação do menor preço relativo com a maior taxa de outorga, mas após pressão da sociedade e de lideranças políticas paranaenses, o modelo foi alterado para o de menor tarifa.

Para a Fiep, disse Mohr, o modelo ideal de pedágio deve reunir três fatores: tarifa justa, garantia de execução de obras e ampla transparência. A entidade aposta na redução “expressiva” do valor das tarifas com os descontos ofertados pelas empresas concorrentes no momento do leilão. Na hipótese de um desconto de 20%, calcula ele, o preço do pedágio que hoje fica, em média, R$ 16,80 para cada cem quilômetros rodados, poderá cair para R$ 11,20.

A execução de obras também ficaria garantida em contrato, com cronogramas fixados para a conclusão de cada uma delas. “A grande vantagem é que todas as obras deverão ser concluídas até o ano sete. Vamos ter bastante obras acontecendo nos primeiros anos de concessão”, disse Mohr. (Simoni Saris - Reportagem Local)

Estudo alerta que nova licitação pode repetir erros do passado

A licitação para a contratação das empresas que assumirão a administração das rodovias do Anel de Integração do Paraná poderá levar a contratos com os mesmos erros dos anteriores, avalia um estudo feito pelo Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) a pedido da Comissão Especial do Pedágio da Assembleia Legislativa. O levantamento foi apresentado em audiência pública na terça-feira, dia 23.

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| Foto: Jonathan Campos/AEN

Entre os principais problemas apontados pelos quatro autores do estudo estão a ausência de informações claras sobre o equilíbrio dos contratos, obras previstas em duplicidade e até uma diferença de R$ 700 milhões no investimento que será feito pelas empresas nos primeiros anos. Os técnicos avaliam que o processo de licitação deveria ter começado com antecedência, por se tratar de uma concorrência complexa e que envolve a segurança nas rodovias.

Além disso, a imprevisibilidade dos índices da inflação e o período em que as rodovias correm o risco de ficar sem manutenção a partir deste fim de semana, quando terminam os contratos com as atuais concessionárias, poderão impactar nas tarifas. Isso levaria a um processo de judicialização semelhante ao que ocorre desde 1998, quando o então governador Jaime Lerner reduziu o valor tarifas de forma unilateral e deu início a uma briga judicial que já dura mais de duas décadas.

“Essa licitação devia ter sido feita dois anos atrás”, afirma o engenheiro civil e professor da UFPR Eduardo Ratton, um dos autores do estudo. Ele lembra que as rodovias federais poderão ficar sem manutenção durante um tempo a partir deste fim de semana — cerca de 900 km serão atendidos por duas empresas contratadas pelo governo do Paraná, mas a conservação das rodovias federais, aproximadamente 2 mil km, ficarão sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) enquanto outras empresas não são contratadas.

“O DNIT não vai ter dinheiro para fazer essa manutenção logo de cara, precisa de autorização do Congresso e isso não está previsto. Se ficar um ou dois meses sem manutenção já é um risco”, diz Eduardo Ratton. “No verão teremos milhões de carros nas rodovias e a partir de fevereiro teremos a safra, se não houver a manutenção adequada vamos ter problemas no pavimento. Em novembro do ano que vem, na hipótese de contratação das novas empresas, o estudo que fizeram agora não terá mais validade”.

A necessidade de uma recuperação não prevista no contrato impactaria na tarifa, o que colocaria por terra a ideia do governador Ratinho Junior de reduzir o valor médio em 50%. “A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres, autora do projeto) terminou os estudos em 2019, com uma projeção do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 3,5% ao ano. O IPCA de janeiro a outubro deste ano ficou em 8,23% e o acumulado de outubro de 2019 a outubro de 2021 em 15,12%. Essa redução de 50% (no valor das tarifas) não vai haver”, explica Ratton.

O engenheiro destaca que a próxima licitação prevê que as concessionárias invistam R$ 44 bilhões nos primeiros oito anos de contrato, mas lembra que os projetos nem começaram. “Esse é o primeiro erro, porque não tem projeto. Esse modelo de oito anos é falso, quem conhece o trâmite de um licenciamento ambiental sabe que isso não vai acontecer”. Além disso, o DNIT apresentou duas projeções desse investimento, com uma diferença de R$ 700 milhões, a primeira em abril e a outra em novembro. “É preciso saber qual desses dois valores foi usado para o cálculo do valor do pedágio”, afirma Ratton.

Outra discussão é a respeito do modelo para a seleção das empresas. O governo federal defende que as escolhidas sejam as empresas que oferecerem as maiores outorgas. Já os deputados da Comissão do Pedágio defendem a seleção com base na oferta do menor preço das tarifas e possibilidade ilimitada de desconto. “O governo federal ainda não se convenceu disso. Alega que as empresas não poderiam cumprir o contrato com os descontos, mas isso estaria protegido pela Lei das Licitações”, diz o professor da UFPR. (José Marcos Lopes - Especial para a FOLHA)

Engenheiro relata dificuldades na obtenção de dados: ‘cortina de fumaça’

O economista e professor Luiz Antonio Fayet, que também participou da audiência na Assembleia, avalia que o mais adequado no momento seria manter a cobrança de pedágio, com valores mais baixos, a fim de financiar a manutenção das rodovias. O valor ficaria entre um terço e um quarto dos valores atuais. “As propostas até agora apresentadas, de cancelas abertas e gestão pública, são uma ameaça a um futuro imprevisível”, diz.

Fayet lembrou que há mais de dois anos entidades e órgãos públicos cobram mais agilidade na seleção das novas empresas. “As hipóteses de gestão pública, conforme anunciadas e calculadas pelas autoridades federais e estaduais, demandarão centenas de milhões de reais em dispêndios a fundo perdido. Se não houver a viabilidade, as lesões irão além dos prejuízos às atividades econômicas, atingirão o patrimônio público e poderão representar perda de vidas”.

PASSIVOS

Em seu levantamento, Eduardo Ratton identificou 21 obras previstas nas próximas concessões e que já deveriam ter sido feitas. O valor total chega a R$ 265 bilhões. Entre elas estão o trecho Warta-Londrina da PR-445 e o entroncamento da BR-369 com a PR-445, em Londrina.

Ratton destaca a dificuldade para reunir todos os dados referentes a obras previstas, concluídas, adiadas ou suprimidas nos contratos originais. “Existe uma cortina de fumaça em tudo isso, não tivemos acesso a todos os dados. Houve supressão de obras ao longo desses 24 anos e as negociações com as seis empresas foram feitas de forma diferenciada”, conta. “O erro maior foi a forma como essas negociações foram feitas. Há vários culpados, as concessionárias são culpadas e o governo do Estado é culpado em suas diversas administrações, inclusive a atual”.

Com os dados disponíveis, Ratton concluiu que ao longo dos últimos 24 anos as concessionárias entregaram apenas 51% das duplicações previstas nos contratos firmados na década de 1990.

“A Agepar (Agência Reguladora do Paraná) fez um levantamento e disse que o Estado teve um prejuízo de R$ 10 bilhões com as concessionárias. As empresas moveram uma ação dizendo que o Estado é quem deve R$ 10 bilhões”, afirma o engenheiro civil. “Os contratos daquela época foram amarrados a favor das concessionárias. Eram tão a favor das concessionárias que o estado levou 24 anos e não conseguiu derrubar, nem os contratos, nem o valor das tarifas”. (J.M.L.)