O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem fazendo a lição de casa para tentar recuperar a economia em um cenário de pós-pandemia e de guerra na Ucrânia, apesar dos posicionamentos públicos do presidente contra a taxa básica de juros, avaliam especialistas. A expectativa é de redução na Selic em um cenário de queda na inflação e de investimentos em infraestrutura, sem os quais o crescimento econômico poderá ficar comprometido. Apesar do cenário positivo, não há sinalização em relação a temas considerados importantes, como a reforma administrativa.

“Temos uma menor pressão inflacionária e isso é importante. E aí podemos começar a trabalhar a taxa de juros, a expectativa é de cair para 12% até dezembro e no ano que vem cair a um dígito, a 9,5%. Vai estimular muito a economia”, avalia o coordenador do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Jackson Bittencourt. “Um reflexo positivo é o crescimento do PIB de 2,2%. Temos uma situação interessante em termos do tripé macroeconômico, esperamos que o governo não saia gastando.”

Bittencourt destaca que dois pontos devem ser observados com atenção: a guerra na Ucrânia e as condições climáticas. “A guerra ainda está ativa e existe um perigo por trás disso, não sabemos até onde vai. A outra questão são as condições climáticas, há onda de calor na Europa. É um problema que a cada ano está mais forte. Esses fatores podem gerar uma insegurança em relação ao preço de alimentos.”

Para o economista Marcos Rambalducci, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) em Londrina e consultor, há uma grande distância entre o discurso do presidente Lula e a atuação da equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Estamos vivendo um momento de transformação e o Banco Central está tomando as medidas corretas. Primeiro é preciso controlar a inflação, a despeito do discurso do presidente. Há um discurso para a plateia, mas na hora de tomar decisões, as decisões são aquelas que o mercado dita.”

Apesar de ver uma condução correta por parte da equipe econômica, Rambalducci é pessimista em relação a programas como o que incentiva a venda de automóveis. “É bobagem. As montadoras sabem que os consumidores vão se forçar a comprar, mas depois disso o desejo é saciado. A montadora não vai aumentar a capacidade produtiva, vai criar um terceiro turno, mas sem investir na capacidade produtiva. Não é sustentável nem a médio prazo.” O Desenrola Brasil é outro programa com pouco impacto, avalia. “Para a economia é uma bobagem, ele é bom para as pessoas.”

INDÚSTRIA

O crescimento passa pela recuperação da capacidade industrial do país, avaliam os analistas. Para isso, seria preciso uma política que invista em toda a cadeia, avalia Jackson Bittencourt. “Não basta apoiar a ponta da cadeia produtiva, isentar ou dar juro especial para as montadoras. Tem que beneficiar a cadeia produtiva, o pequeno fornecedor. O governo anterior do Lula fez isso e esperamos que venha com uma política de inovação tecnológica, com mais investimentos em educação, para ser competitivo no mundo.”

Marcos Rambalducci diz ver a reforma tributária, com a implementação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), como um alento ao setor industrial. “Não tem como vender para São Paulo com uma alíquota e para o Acre com outra. Administrar isso é um custo enorme. Os custos vão ficar menores e isso é uma sinalização positiva para a indústria. Será um único imposto no consumo distribuído pela cadeia. Isso significa uma simplificação enorme, reduz custos e a indústria aumenta a produção para atender esse público.”

INCERTEZAS

Para Marcelo Curado, professor do Departamento de Economia da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o governo ainda não deu sinais claros a respeito do rumo que vai tomar. “Existem sinais contraditórios, algumas medidas corretas e outras menos efetivas. Especialmente essa do setor automotivo, que é muito ineficiente. É uma medida que gera antecipação de vendas e perda de arrecadação. O governo ainda não mostrou a que veio do ponto de vista mais sistemático, de questões econômicas mais profundas.”

Curado diz que seria importante sinalizar para uma reforma administrativa e definir pontos da reforma tributária que ainda estão incertos. “Não há sinalização de que vá ser feita uma reforma do estado, que vá reduzir gastos. Apesar da reforma da Previdência, ainda tem uns ajustes previdenciários que não foi foram feitos. E a reforma tributária foi um avanço, mas ainda não sabemos qual a alíquota”, afirma o professor. “Há um problema que antecede, que foi o debate eleitoral muito pobre. Não temos um projeto econômico claro e ele vai se construir ao longo do tempo.”

Curado também avalia que não faz sentido o embate entre governo e Banco Central. “Não ha muito dúvida que o Banco Central tem sido extremamente conservador, mas não acho que é papel do governo discutir política monetária. O governo pode emitir opiniões, mas não é saúdavel que fique essa luta sistemática.”

Investimentos em infraestrutura são fundamentais

Economistas concordam quando o assunto é a necessidade de investimentos em infraestrutura, apontada como um possível entrave ao crescimento econômico e ao aumento na produção. Atualmente, regiões como o Oeste do Paraná e o norte de Santa Catarina, que se destacam na produção de aves e suínos, enfrentam dificuldades e custos altos para escoar a produção. Seriam necessários investimentos em rodovias e ferrovias, o que dependeria da participação da iniciativa privada.

“O custo Brasil seria reduzido de maneira a que o país possa competir com o mercado internacional: melhores estradas de rodagem e ferrovias, que levem a produção a um custo menor”, diz o professor universitário e consultor Marcos Rambalducci. “Isso precisa ser levado a termo para que permita ao setor privado fazer os investimentos. Não falta dinheiro para fazer as coisas que dão dinheiro. Quando há um marco regulatório, sempre vai ter dinheiro para fazer frente a essa iniciativas.” Programas como o Minha Casa Minha Vida, na avaliação do professor, podem ajudar a resolver alguns problemas estruturais, além de gerarem empregos e movimentarem o setor da construção civil.

Coordenador do curso de Economia da PUCPR, Jackson Bittencourt diz que também é necessário investir em mobilidade urbana como um fator de crescimento econômico. “Não é só um problema de mobilidade de mercadorias, temos problemas de mobilidade urbana, de trabalhadores. Além de investir infraestrutura de produção o país precisa investir em infraestrutura de mobilidade urbana, porque os problemas atrapalham a produtividade.”