Durante a última semana, vídeos com questionamentos sobre as vacinas da Covid-19 foram disseminados nas redes sociais: teria o imunizante “efeito magnético” no corpo humano? Não. A informação é falsa. Os vídeos e relatos de pessoas imunizadas que conseguiram grudar moedas ou pequenos objetos metálicos não têm relação com a vacina.

A equipe de reportagem simulou uma moeda presa ao braço. Com pressão e alguma umidade e o objeto metálico ficou parado no local sem prejuízo à mobilidade do braço.
A equipe de reportagem simulou uma moeda presa ao braço. Com pressão e alguma umidade e o objeto metálico ficou parado no local sem prejuízo à mobilidade do braço. | Foto: Gustavo Carneiro

Na filmagem mais compartilhada, Matilde Rodrigues, de 74 anos, se mostra indignada com esse suposto “efeito colateral”. A mulher informa que foi vacinada com a Coronavac. Uma dose em cada braço. A senhora conclui sobre componentes da vacina antes de fazer o teste da moeda: “Ela [vacina] deve ter alguma coisa que contém ímã, porque a moeda paira sobre o braço”. Segundo o professor Daniel Farinha Valezi, doutor em Física pela Universidade Estadual de Londrina, com estudos em Ressonância Paramagnética Eletrônica aplicada à materiais magnéticos, a lógica do vídeo não está correta. “Certamente não se justifica. De maneira geral, para um material poder exercer força magnética espontaneamente em um objeto, como uma moeda, precisaria ter propriedades ferromagnéticas. Nesses materiais existe uma ordem magnética espontânea devido a um efeito quântico conhecido como “interação de troca”, no qual os spins dos elétrons de um átomo interagem com os spins dos elétrons de átomos vizinhos. Esse comportamento é comum em ligas que contenham elementos como ferro, cobalto ou níquel, por exemplo”, afirma o especialista.

Matilde Rodrigues, durante o experimento, pede ao Governo Federal e ao Ministério da Saúde, explicações a respeito do mistério da moeda que gruda no braço. A resposta, apresentada pelo físico, não tem associação alguma com ímãs ou magnetismo. “Não existe nenhum tipo de efeito magnético por trás da moeda “grudando” no corpo. O princípio científico por trás do efeito é simplesmente o de adesão, conceito básico e muito bem estabelecido pela ciência. Basicamente, duas superfícies podem se unir quando entram em contato devido a forças intermoleculares. Podemos verificar facilmente esse efeito com diversos materiais leves que podem “grudar” na superfície do corpo, especialmente quando em condições úmidas”, responde o professor.

Daniel Farinha Valezi também relata que as informações sobre os componentes de cada vacina estão em suas respectivas bulas. Além disso, os compostos podem ser verificados por laboratórios e Universidades. “Não existem, em suas composições, componentes com capacidade e/ou concentração suficientes para gerar qualquer efeito magnético perceptível. Componentes como o hidróxido de alumínio, presente da vacina do Butantan e Laboratório Sinovac, não possui qualquer propriedade magnética espontânea. Substâncias como esta, ou mesmo compostos ferromagnéticos, fazem parte da composição até mesmo do corpo humano. Avançando um pouco na resposta, adentrando ainda mais na “teoria da conspiração”, alguém poderia eventualmente questionar a própria bula. Nesse caso, a composição das vacinas poderia ser facilmente conferida por qualquer laboratório de Física ou Química no mundo, em uma Universidade ou laboratório particular. É absolutamente insustentável pensar que agências reguladoras de todo o mundo possam permitir qualquer informação falsa em relação à composição das vacinas. Além disso, um fluido magnético com tais “propriedades” precisaria ser aplicado em grandes quantidades, seria extremamente viscoso, denso e com coloração mais escura”, conclui.

Daniel Farinha Lavezi, ao lado do Espectrômetro de Ressonância Paramagnética Eletrônica, do Departamento de Física da UEL
Daniel Farinha Lavezi, ao lado do Espectrômetro de Ressonância Paramagnética Eletrônica, do Departamento de Física da UEL | Foto: Arquivo pessoal

Em outro vídeo com o mesmo teor conspiratório, uma mulher passa o celular no braço dos pais até grudar. Sua conclusão vai ainda mais longe do que o vídeo de Matilde, ao afirmar “a vacina vem com microchips que são magnéticos”. Logo, houve até relação com religião. Comentários em grupos de mensagens apontam o teste como uma afirmação que imunizante insere o “chip da besta” ou “marca da besta”. “Fim dos tempos”, anunciou outro comentário. Segundo Valezi, esse boato também é falso. “É tecnicamente inviável. Não existe o menor indício de que essa seja uma questão minimamente razoável, levando-se em conta as dificuldades de se produzir um dispositivo tão pequeno, mas ainda assim complexo, com capacidade de emitir sinais, e que pudesse ser colocado de forma imperceptível em uma vacina. Além disso, caso fosse possível criar tal dispositivo, certamente seus compostos não passariam despercebidos na composição química da vacina. Tal dispositivo também seria facilmente detectável do ponto de vista de emissão de sinais eletromagnéticos”, aponta.

Contestações neste estilo, compartilhadas nas redes sociais, têm o objetivo de deslegitimar a vacinação. Sem nenhum aporte teórico ou científico, testes como o da moeda colocam dúvidas sobre a única saída para a pandemia, no país em que apenas 11,3% da população está totalmente vacinada, segundo o Our World In Data. O físico Daniel Farinha Valezi finaliza a destacar a importância dos avanços científicos e condena as suspeitas que os vídeos levantam sobre a vacinação. “Considero que confabulações conspiratórias, como as aqui tratadas, são absolutamente absurdas e ridículas. Utilizando o método científico erradicamos doenças, fazemos exames de imagens precisos e não invasivos, nos comunicamos com qualquer pessoa do mundo de forma quase instantânea, levamos o homem à Lua, sondas à Marte, estudamos galáxias distantes; esse mesmo método científico levou ao desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 e estabeleceu protocolos para segurança da população em situação de pandemia. Devemos analisar notícias suspeitas deste tipo com o método científico, e não com considerações totalmente infundadas”, conclui.