A psicanalista Melanie Klein (1882 – 1960), muito conhecida por suas teorias sobre o desenvolvimento infantil, ofereceu insights valiosos sobre como o sentimento de gratidão desempenha um papel fundamental na formação do nosso mundo interno e na nossa capacidade de lidar com as complexidades da vida.

Na prática clínica, observamos como a gratidão desempenha um papel central no bem-estar psicológico. Segundo Klein, desde os estágios iniciais do desenvolvimento, as experiências emocionais vividas na relação com os cuidadores primários (geralmente os pais) têm um impacto significativo sobre quem vamos ser na vida adulta. É nesse contexto muito precoce que a gratidão pode emergir como um componente essencial. Quando um bebê se sente nutrido, protegido e amado, ele desenvolve uma sensação de segurança básica que é fundamental para o seu bem-estar emocional futuro.

A gratidão surge quando o bebê percebe que suas necessidades estão sendo atendidas de forma consistente e amorosa. Essa experiência de gratidão não é apenas uma resposta emocional momentânea, mas também contribui para a formação de uma base sólida, na qual o indivíduo se sente conectado e valorizado pelo mundo ao seu redor.

Além disso, Klein destaca a importância da capacidade de integrar tanto os aspectos bons quanto os ruins da experiência emocional que ocorrem dentro de todas as famílias e em todas as relações. Em suas teorias sobre os mecanismos de defesa, ela discute como a mente humana tende a fragmentar e reprimir experiências dolorosas para proteger-se da angústia. O indivíduo, nesses casos, sente-se perseguido e transforma tudo o que há ao seu redor em inimigos que precisam ser combatidos. Uma abordagem mais saudável envolve a capacidade da pessoa de tolerar a ambivalência e reconhecer os aspectos positivos e negativos que existem em todas as nossas situações.

A gratidão desempenha um papel crucial ao permitir que o indivíduo reconheça e valorize as experiências positivas, mesmo quando elas estão entrelaçadas com elementos de dor ou sofrimento. Ao cultivar um senso de gratidão, somos capazes de desenvolver uma perspectiva mais equilibrada e corajosa em relação à vida, permitindo-nos encontrar significado e valor mesmo nas situações mais desafiadoras. Parte do trabalho analítico envolve ajudar o paciente a reconhecer e valorizar as experiências positivas em sua vida atual, mesmo que elas sejam pequenas ou aparentemente triviais. Por exemplo, ajudar o paciente a reconhecer gratidão por momentos de conexão genuína com os outros e com o próprio analista ou por conquistas pessoais, pois esse reconhecimento é algo que, muitas vezes, a pessoa não tem acesso e por isso mesmo não pode integrar dentro de sua personalidade.

Ao integrar essas experiências emocionais complexas, o paciente pode desenvolver uma visão mais compassiva e equilibrada de sua própria dor. A abordagem que podemos ter na clínica hoje em dia e que só foi possível com os conceitos criados por Melanie Klein nos convida a reconhecer a importância fundamental da gratidão em nossa vida mental. Ela não apenas fortalece nossos laços emocionais com os outros, mas também desempenha um papel vital na nossa capacidade de integrar experiências emocionais e navegar pelas vicissitudes da existência com esperança.

¨¨¨

A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina