A formação de um psicanalista é um processo longo, exigente e profundamente transformador, que vai além da aquisição de conhecimento técnico ou teórico. Ela demanda uma disposição contínua para o autoconhecimento, a capacidade de lidar com a própria vulnerabilidade e uma escuta cuidadosa da subjetividade do outro. Esse caminho não é apenas um treinamento profissional, mas uma jornada de transformação pessoal.

Desde Freud, a prática psicanalítica tem sido construída sobre a ideia de que, para compreender as complexidades da mente humana, o analista deve primeiro confrontar seus próprios conflitos, seus mecanismos inconscientes e suas formas de defesa. Esse processo começa com a própria análise pessoal, que é o cerne da formação psicanalítica, e que deve ser realizada da maneira mais extensa possível (sem pressa e com muito detalhadamente) com um analista mais experiente, Através dessa vivência, o futuro analista tem a oportunidade de experimentar em si mesmo os fenômenos que estudará nos outros: a resistência, a transferência, a repetição, os efeitos do trauma, a dor e a transformação.

O método psicanalítico exige mais do que um domínio intelectual. Ele demanda uma postura ética de abertura ao desconhecido e uma disponibilidade para ser afetado pela experiência emocional do paciente. Bion, em seus estudos, fala da necessidade de o analista "tolerar o não-saber", ou seja, suportar a incerteza e o caos de uma sessão, permitindo que o material desconhecido de alguém emerja sem buscar soluções imediatas ou respostas definitivas. Esse "não-saber" é uma parte essencial da formação, pois ensina o analista a lidar com a ambiguidade e a incerteza de modo produtivo.

Além da análise pessoal, o estudo teórico é outra dimensão indispensável. A psicanálise, sendo uma disciplina complexa, requer o domínio de uma vasta literatura que vai desde os textos fundadores de Freud até os desenvolvimentos contemporâneos. No entanto, mais do que memorizar teorias, a formação teórica deve ser integrada ao campo clínico, permitindo que o analista conecte os conceitos às vivências dos pacientes. Teóricos como Winnicott, Klein, Bion e Ferenczi oferecem diferentes janelas para a compreensão do desenvolvimento humano, da dinâmica dos afetos e das formas de sofrimento psíquico. A psicanálise é um campo em constante transformação, e a formação exige que o analista esteja sempre disposto a revisitar e revisar seu conhecimento.

A supervisão clínica é o terceiro pilar da formação. Através da supervisão, o analista em formação traz seus casos para serem discutidos com analistas mais experientes, em um ambiente de reflexão e construção conjunta. Esse espaço é vital para que o futuro analista possa rever suas intervenções, compreender suas contratransferências e afinar sua escuta clínica. Mais do que ensinar técnicas, a supervisão busca aprofundar a compreensão da relação analítica, ajudando o analista a sintonizar-se com as nuances das emoções e resistências de seus pacientes.

A formação psicanalítica, em sua essência, é uma travessia sem fim. Não há uma linha de chegada definitiva, pois a própria prática clínica é um campo contínuo de aprendizagem. Cada paciente traz uma nova configuração psíquica, uma nova história, que desafia e convoca o analista a revisitar suas próprias hipóteses e questionamentos. O setting analítico, com suas regras e seu espaço de acolhimento, torna-se uma tela viva onde se desenrolam os dramas internos do paciente, mas também é um espelho para as projeções, identificações e impasses do próprio analista.

É justamente nesse movimento constante de aprendizado, reflexão e autocrítica que reside a importância da formação de um psicanalista. Ela não visa apenas formar profissionais habilitados para escutar o sofrimento do outro, mas prepara seres humanos capazes de acolher a complexidade da experiência humana, sem o desejo de respostas prontas, mas com a coragem de enfrentar o que não pode ser dito e, muitas vezes, mal pode ser pensado.

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