A verdadeira beleza, aquela que nos toca, nos transforma e nos humaniza, não está na superfície lisa das imagens idealizadas. Ela se revela, paradoxalmente, a quem tem coragem de viver a vida como ela é: imperfeita, incerta, cheia de ambivalências. Não há beleza possível para quem se mantém anestesiado da realidade. E, mais ainda, não há prazer autêntico para quem não atravessa o sofrimento psíquico. Essa é uma das verdades mais profundas que a experiência psicanalítica nos oferece.

No consultório, encontramos com frequência sujeitos que, embora vivam em busca do prazer — da leveza, da realização, do gozo —, não conseguem acessá-lo de forma genuína. Estão aprisionados em repetições vazias, colecionando experiências que mais entorpecem do que nutrem. Por trás dessa busca incessante, muitas vezes se esconde um pacto inconsciente: não sofrer! Não sentir a dor da perda, da falta, da rejeição. Evita, a qualquer custo, o desprazer de olhar para dentro e encontrar ali sentimentos que doem — angústia, vergonha, tristeza, raiva, solidão. Mas o que se descobre, dolorosamente, é que evitar a dor também bloqueia o prazer. O mesmo aparelho psíquico que reprime o sofrimento, fecha também as portas da beleza e da alegria.

O verdadeiro prazer — aquele que não esgota, não emburrece, não vicia — é resultado da integração emocional. E essa integração só é possível quando há espaço interno para se sofrer os sentimentos, e não apenas senti-los como quem assiste a um filme do lado de fora. Sofrer, nesse contexto, não é sinônimo de padecer passivamente, mas de elaborar. É deixar-se atravessar, suportar a travessia de uma emoção até que ela se transforme em experiência. É isso que permite que o sujeito, ao encontrar o prazer, possa realmente habitá-lo — com corpo, mente e alma presentes.

Pensemos, por exemplo, em um paciente fictício que chegou à análise com queixas de apatia, de uma vida que “não tem graça”. Tinha um bom emprego, amigos, frequentava festas, mas tudo parecia sem cor. Logo ficou claro que vivia protegido de suas dores. Evitava conflitos, não falava de perdas, se afastava de qualquer situação que evocasse sofrimento. Havia construído um “eu funcional”, porém desabitado de afetos profundos. Ao longo do processo analítico, pôde se reconectar com uma dor antiga — algo que nunca antes se permitiu sentir. Foi só quando se permitiu sentir a dor, dar forma psíquica ao seu sofrimento, que começou também a experimentar momentos de prazer mais verdadeiros: um choro sentido ao ouvir uma música, um encontro amoroso com mais entrega, um riso que vinha do corpo inteiro.

A experiência de beleza — seja ela estética, amorosa ou existencial — só se abre para quem é capaz de estar presente, inteiro, com tudo o que sente. E isso inclui as dores. O que é belo de verdade nos emociona não porque é perfeito, mas porque ressoa com algo humano, reconhecível, falível. A beleza está onde há vida. E a vida, se for vivida com autenticidade, inclui também as rupturas, os medos, as feridas.

Em tempos em que somos seduzidos por fórmulas rápidas de felicidade e pela ditadura da positividade, a psicanálise nos lembra de um caminho mais difícil, porém mais verdadeiro: o de viver a realidade com profundidade. A beleza não é um antídoto contra o sofrimento, mas um de seus frutos possíveis. E o prazer não é ausência de dor, mas a capacidade de estar inteiro na experiência, depois de tê-la sofrido o suficiente para, enfim, poder desfrutá-la.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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