Na belíssima escultura “Adoração” de Stephan Sinding (1903) vemos um homem nu de joelhos ‘adorando” uma mulher nua sentada. À primeira vista parece se tratar de um grande ato de amor que chega ser dramático. Aliás, acredita-se que o amor só é verdadeiro se for dramático. Na verdade, quanto mais drama parece estar sobre uma relação mais esta está longe do amor. O dramalhão nada tem a ver com o amor, mas com outras questões de naturezas bem distintas.

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. | Foto: iStock

Quando numa relação há algo como adoração, há na verdade idealização e isso pode ser bastante perigoso. A idealização trata do que queremos que seja e não da realidade. No entanto, só podemos viver a realidade. A experiência do que vivenciamos só pode se dar na dimensão da realidade. Caso contrário, não é real, mas algo criado, fabricado e portanto, artificial. Uma relação que chamamos amor não deveria possuir natureza artificial.

Na idealização parece que colocamos o outro no pedestal e assim como colocamos podemos também tirar. Não é surpreendente então que muitos casais apaixonados começam com juras de amor as mais extravagantes possíveis e terminam um odiando o outro com fúria mortal. Como podem passar de um estado de adoração total para um de ódio letal? Justamente porque não se tratava de amor, mas de idealização. Assim como se cria os altares para endeusar alguém, cria-se também piras para se queimar alguém caso haja frustrações.

No momento que num relacionamento amoroso alguém adora e outra pessoa é adorada estão dispostos todos os ingredientes para que aquilo se transforme numa tragédia. No endeusamento do parceiro(a) constrói-se uma prisão que exige que ele ou ela permaneça num estado que jamais traga frustração. A pessoa adorada não pode mais ser ela mesma, mas precisa ser e desempenhar o papel que o outro lhe deu e caso isso não funcione aquilo que era tido como amor transforma-se em ódio. Entronar alguém é uma maneira de aprisionar alguém. Mesmo que o prisioneiro fique num lindo trono dourado assim mesmo continua prisioneiro. Há pessoas que acreditam que o amor tem que ser como uma gaiola, mas não vamos esquecer que uma gaiola, mesma feita de ouro e cravejada com pedras preciosas, continua sendo uma gaiola, ou seja, algo que tira a liberdade.

O amor só pode existir de fato quando não há tentativa de se "apossar" do outro, de entroná-lo e endeusa-lo. Criamos "deuses 'para prendê-los e mantê-los à nossa disposição. Isso, como é obvio, está bem longe da vivência do amor que preza, sobretudo e sem negociação, pela liberdade do outro ser quem ele pode ser. O drama, por conseguinte, não é excesso de amor, mas excesso de carências e quando é a carência que vai guiando um relacionamento amoroso isso não tem como acabar bem.

Pôr alguém no pedestal, não só nos relacionamentos amorosos, mas na vida como um todo, como criar ídolos na arte, na política, no esporte, etc, é algo que não é belo, porém trágico. Deveríamos ver a realidade como ela é e não ficar procurando ver apenas o que queremos que a vida seja.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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