Imagem ilustrativa da imagem O trânsito e o inferno
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Moro em Londrina e venho notando que ultimamente o trânsito está cada vez mais caótico por aqui. Na região central, onde moro e trabalho, o número de acidentes aumentou muito. Não estou me baseando em nenhuma pesquisa, mas apenas nos acidentes que tenho visto. Além dos desastres, observo também o quanto os motoristas estão correndo em demasia pelas ruas; os pedestres estão cada vez mais tendo menos espaço; motos e bicicletas invadem as calçadas colocando idosos, crianças e todo o mundo em perigo. Isso me faz refletir sobre como estamos vivendo, pois o trânsito é reflexo de nosso mundo interno.

Sartre, filósofo existencialista francês, uma vez disse a famosa frase “O inferno são os outros”, e ela resume bem o que vem acontecendo mundo afora na sociedade e no trânsito, em especial. Quando estamos no trânsito nos deparamos com a existência do outro, independente de nós, o “não-eu”, e jogamos no outro tudo aquilo que nos irrita e aborrece. Aquele que é o não-eu (o outro) passa a ser considerado o inimigo. Depositamos nossas angústias e frustrações nele. Assim, parece que o outro só existe para nos atrapalhar. Ficamos ofendidos em perceber que não existe só “o eu” no mundo, mas toda uma infinidade de outras pessoas que também têm necessidades e urgências que não as nossas. Quando nos deparamos com o outro precisamos da tolerância, que é artigo raro.

As pessoas se portam no trânsito como se só existissem elas, como se tudo elas pudessem fazer. Não há a menor tolerância para com a existência do outro. Quando o outro surge na frente desperta violência. As justificativas é que estão com pressa ou que não podem perder tempo, mas, na verdade, isto mostra o quanto está difícil um tolerar o outro. Não é à toa que na internet há tantos comentários ofensivos sobre quem pensa diferente ou vê as coisas por um determinado ponto de vista considerado errado. Tudo o que é o não-eu não é suportado, mas atacado com virulência extrema, porque sempre nos lembra que existe o outro, o diferente.

Tantos acidentes e atropelamentos no trânsito refletem o quanto estamos nos trombando no contato com o outro no dia a dia. Nos trabalhos, na famílias, nas escolas e faculdades, nos hospitais, está cada vez mais atípico encontrar diálogos e espaços para se compreender o que não se entende. Estão um atropelando o outro, criando toda uma gama de insatisfação em ter que lidar com a existência do outro. No espectro das ideologias políticas nem se fala. O que prevalece são as trombadas feias, com acidentados para tudo quanto é lado.

Viver com o outro, com o não-eu, é difícil mesmo e exige que cresçamos, que possamos aceitar que o outro existe e abandonarmos a tendência de jogar no externo tudo aquilo que nos irrita. Em outras palavras, precisamos aprender a nos responsabilizar pela própria vida, por tudo aquilo que nos incomoda sem botar a culpa em outro lá fora. Se isso pode ser aprendido, o trânsito pode ser apenas o trânsito e não mais palco para a encenação do quanto fazemos do outro e da vida um inferno.