Não existe em nenhum lugar do mundo uma universidade com o curso de psicanálise. Não há uma graduação em psicanálise e muitos estranham tal fato. O que forma psicanalistas são os cursos de formação em psicanálise. Depois de graduar-se, geralmente em psicologia ou medicina, o interessado procura um desses cursos de formação para se aprofundar na psicanálise e ter mais embasamento. No entanto, há vários grupos de formação dos mais variados tipos o que faz com que seja uma verdadeira bagunça e muitos deles não são verdadeiramente sérios, o que prejudica tanto a formação do profissional quanto os futuros pacientes que serão atendidos por esses profissionais.

Há grupos de formação em psicanálise até mesmo ligados a determinadas denominações religiosas, o que configura uma loucura. O profissional psicanalista que vai atender alguém precisa estar descontaminado de qualquer ideia pré-concebida ou expectativa do que seja certo e errado. Como ele ouvirá seu paciente de forma livre se tiver por detrás toda uma bagagem cheia de dogmas e conceitos rígidos de como as coisas têm que ser? A psicanálise não “catequiza” nem “endireita” ninguém e tampouco consola alguém. Muitos desses grupos de formação vinculados à religião estão mais preocupados em mostrar o caminho (que eles acreditam ser o único possível) ao invés de ajudar o paciente a ser ele próprio, mesmo que ser ele próprio contrarie o que pregam as normas religiosas.

Infelizmente, o número de grupos de formação que não tem seriedade alguma é muito grande. Então, por que não criar cursos de graduação em psicanálise nas universidades? Todos submetidos ao ministério da educação para acabar com toda essa confusão? Não é tão simples assim.

Nas faculdades de psicologia e outros cursos até se ensinam técnicas e teorias psicanalíticas, mas não é isso que forma um psicanalista. É a sua formação pessoal que constitui não só o conhecimento teórico da psicanálise, de suas técnicas, mas acima de tudo de sua própria análise pessoal. É se colocando em análise várias vezes por semana durante anos que alguém se torna e vai se tornando psicanalista. É nessa relação que se dá na própria análise pessoal que o candidato a psicanalista vai se libertando de seus entraves e reduzindo seus conflitos que o impedem de viver de maneira mais espontânea. É no divã de sua própria análise pessoal que acontece o vir a ser psicanalista. Por mais que alguém saiba sobre as teorias isso é apenas conhecimento intelectual, mas é à medida que alguém vai se permitindo viver seus próprios conteúdos e aprender a lidar com eles de maneira mais eficiente que algo realmente acontece.

Essa análise pessoal não tem substitutos. Não que ela seja milagrosa e o psicanalista estará isento de qualquer conflito ou dificuldades. Claro que não. Eles continuarão existindo, mas se a análise for relativamente satisfatória a pessoa poderá lidar consigo de maneira mais proveitosa e adequada, sem tantos tropeços e engasgues. Brincando com as palavras se diz que em psicanálise não existe curso, mas existe percurso. É a jornada que o profissional se coloca que conta e esta deve ser procurada em grupos de formação sérios, realmente comprometidos. Uma universidade não teria como “verificar” e validar a formação de todos os seus graduandos, já que não se trata de uma verificação intelectual e racional. Num grupo de formação, por exemplo, leva-se anos para alguém ir se tornando psicanalista, um tempo muito mais comprido que qualquer graduação poderia oferecer. Psicanálise, para ser eficaz, não é algo que simplesmente só se estuda, mas algo que se vai “assimilando”, “digerindo” para que possa realmente se aprofundar e fazer sentido.

Mesmo dentre os vários grupos de formação têm muitos que não dão o devido valor a análise pessoal, concentrando-se mais nas teorias e técnicas, formando profissionais que até podem conhecer as teorias, mas não fazem a menor ideia do que elas se tratam na verdade. Fica algo intelectual longe da experiência, longe do sentido, portanto, inútil. O único lugar possível que pode “formar” um psicanalista é o divã em que ele se permite se escutar e aprender sobre si mesmo na companhia de outro psicanalista que já tenha antes, ele próprio, trilhado a sua jornada.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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