Uma vez que uma peça de porcelana é quebrada ela pode ficar além de qualquer tipo de conserto. Em alguns casos, dependendo da avaria, pode-se usar técnicas que juntem os pedaços, um tipo de conserto, mas se o dano for mais severo fica além de qualquer restauração. Uma coisa é clara, no entanto, mesmo que ‘reparada’ a peça jamais será a mesma, nunca recuperará o mesmo estado anterior antes da quebra. Se estivermos falando de uma peça antiga valiosa ou com valor sentimental pode ser uma perda muito triste, mas também podemos olhar para isso como uma bela metáfora do que se passa na nossa mente.

Quando uma pessoa tem um ‘surto’, uma crise de pânico, um episódio de depressão, qualquer situação geradora de fortes angústias, algo que abala seus fundamentos de como as coisas eram, algo dentro dela, de seu mundo interno, também se quebra. Uma vez que nossa mente se ‘parte’ não tem mais como voltar ao que se era antes. A mudança veio para ficar. O que vai diferir entre as pessoas é como cada um vai lidar com o que mudou dentro de si.

Em muitos casos, às vezes graves, nossa mente é severamente estremecida e temos que catar os cacos da maneira que for possível para tentar remenda-los e nos reconstruirmos. Uma perda de um ente querido, de um emprego, de um lar, da saúde, etc... podem ser eventos traumáticos que viram a cabeça de qualquer um e quebram aquilo que não esperávamos que se partisse de forma tão repentina. Nesses momentos um indivíduo pode “surtar” das mais variadas maneiras e é comum que após esse surto procure um profissional da saúde mental. Quando chega no consultório sempre pede que o profissional o faça retornar ao estado mental anterior. Pede, portanto, o impossível.

Os pacientes que nos procuram desejam sair rapidamente de seus estados de angústia, querem voltar a um estado onde a angústia não existia ou não era nítida o bastante para ser percebida. E é justamente aí que o profissional de saúde mental terá que ajudar o paciente a compreender que isso não é possível e que a vida será sempre daqui para frente, nunca daqui para trás. É um momento muito doloroso e até assustador porque mostra que algo dentro do paciente foi partido e que jamais retornará como era antes, mas que se fará necessário desenvolver novos recursos internos para lidar com as rupturas e traumas. O paciente precisará se reconstruir da melhor forma que lhe for possível, juntar os seus pedaços e transforma-los em algo novo que possa servi-lo a continuar a vida.

A grande verdade é que muitas pessoas têm a chance de se reconstruírem mais fortes e melhor. Isso ocorre todos os dias com milhões de pessoas mundo afora. Elas ‘quebram’, mas se puderem fazer um bom uso de suas mentes poderão se reerguer e descobrir, bem como criar, forças que jamais pensaram existir dentro de si mesmas. Se a peça de porcelana se fragmentou em muitos cacos podemos então usá-los para fazer um mosaico.

Para isso ser possível, contudo, não é fácil e não basta apenas boa vontade, mas imensa força de vontade para persistir no caminho de se auto reconstruir, suportar as dores e frustrações advindas com o ‘fim’ de algo e esperança por um futuro promissor. Tudo isso só se dá dentro de nosso espaço mental, ou seja, de nossas mentes. Sem o mínimo de saúde mental não podemos nos restaurar e aprender a lidar com os sufocos que a vida sempre nos dá.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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