Imagem ilustrativa da imagem O que estamos fazendo conosco?
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​Acordo sempre muito cedo, bem antes do nascer do sol e gosto muito de abrir uma ampla janela que tenho para assistir a aurora. Os pássaros iniciando o dia voando alegremente, o silêncio do começo da manhã, uns transeuntes indo ou voltando de seus trabalhos bem como algumas pessoas já se exercitando. Porém, com muita frequência vejo uma cena que se repete. Há uma mulher que passeia aqui no bairro com seu cachorro nesse horário e ela sempre pega as fezes do animal com uma sacolinha plástica e a joga (arremessa com gosto) bem longe de si no meio da calçada. Já vi essa cena muitas vezes. Quase não há ninguém na rua e ela deve achar que não há ninguém vendo, mesmo estando rodeada de prédios altos. Ela joga e deixa lá no meio da rua para algum incauto pisar ou tropeçar. Não tem o menor pudor nem respeito ao sujar as ruas que ela mesma usa todos os dias.

​Fiquei pensando na atitude dessa mulher. Ela não deve fazer isso dentro de casa, mas na rua ela não se acanha em sujar. Talvez porque ela acredite que está jogando fora aquilo que não serve e que precisa ser descartado. O ato de jogar fora, de expulsar, de projetar para longe de si é bem comum e é isso que geralmente fazemos com nossos conteúdos internos acreditando que estamos assim lidando com o que não nos serve e não queremos mais.

​Alguns dos nossos conteúdos internos são bem difíceis de lidar. Esses conteúdos são nossas emoções, sentimentos, medos, angústias, etc. E acreditamos que podemos nos livrar deles jogando fora, mas aquilo tudo que é nosso não temos como jogar fora. Está sempre presente e vamos trombar com o que nos pertence uma hora ou outra.

​Talvez essa mulher acima citada, um dia na pressa, possa ela mesma escorregar na mesma sacolinha que descartou de maneira imprópria. É isso que acontece quando não lidamos de maneira efetiva com nossos conteúdos internos. Esbarramos e topamos com eles numa experiência desagradável.

​Já que não dá para jogarmos fora o que está dentro só há uma alternativa possível, então: lidar com eles e transformá-los. Tal como as fezes podem ser adubos para tornar campos férteis, nossas emoções e sentimentos podem adubar nosso crescimento e fortalecimento. Quanto mais conhecemos aquilo que consideramos “sujo” e que nos pertence mais chance temos de lidar de forma eficiente. Entretanto, quanto mais praticamos o esporte de arremessar nossos conteúdos longe mais vamos criando situações nas quais vamos escorregar lá na frente.

​O ser humano é incrível. Tem possibilidades de ser altamente inteligente e fazer coisas maravilhosas, mas tem também um lado estúpido que o faz criar armadilhas para si mesmo. A maior parte dos sofrimentos que vivemos não é o mundo que traz, mas nós mesmos que criamos. Estamos sempre armando arapucas que vão nos trazer dores desnecessárias. Quem entende isso sabe que o lixo não pode ser arremessado, mas precisa ter um destino apropriado. Entende que lidar com a vida não é postergar o problema nem aumentá-lo. O que estamos fazendo conosco? É a esta pergunta que devemos responder.