​Há uma lenda antiga no zen-budismo que conta sobre um jovem, mais ou menos versado na arte da guerra, que tinha um temperamento muito colérico. Estava sempre brigando e arrumando encrenca por onde quer que passasse, dando medo em muita gente e tirando outras do sério. Até um dia em que ele foi parar na casa de um grande mestre e quis arrumar briga com ele. Num movimento ágil o mestre amarrou o jovem e o deixou imobilizado. O jovem gritou, esperneou, jurou vingança e as piores atrocidades contra o velho mestre, mas este ficava ali perto só rindo do jovem e da sua ira. O jovem ficou por mais de três dias amarrado e só gritava e xingava até o dia que cansado ficou quieto. O mestre chegou perto dele e lhe disse: “Essa sua raiva de nada lhe adianta, só lhe deixa preso, mas você poderia usar a sua raiva como uma verdadeira transformação na sua vida, se souber contê-la”. E foi assim que o jovem começou sendo treinado para ser um verdadeiro sábio.

Imagem ilustrativa da imagem O Pulo do Sábio
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​A questão não é não sentir raiva, mas como a usamos em nossas vidas. Podemos nos entregar à raiva e brigar com tudo e todos, mas isso só nos levará ao perigo porque uma hora ou outra sempre vamos nos arriscar a um ponto sem volta. Podemos também pegar essa raiva e colocá-la dentro de nós e, com isso, nos tornamos amargurados. Qualquer que seja entre essas duas ações a vida fica aprisionada e sem graça. Entregar-se à raiva simplesmente não muda a realidade.

​Só mudamos a realidade quando começamos a pensar. Não me refiro aqui ao pensar lógico, racional, mas ao verdadeiro pensar a vida. É um pensar misturado ao perceber e tolerar a nossa mente e seus conteúdos. Quando percebemos e toleramos o que se passa dentro de nós podemos então aprender algo novo e isso leva a um novo pensamento. Ficamos livres para pegar outros caminhos e não seguir simplesmente os mesmos e velhos caminhos de sempre. Mudar a realidade interna pode levar a mudar como vivemos a realidade externa. Esse é o grande entendimento do sábio.

​Geralmente, o que nos gera muita raiva é quando nos frustramos que o mundo e os outros não são como gostaríamos que fossem. Quando nos percebemos separados e entendemos que não controlamos os outros nem as situações ficamos enraivecidos. Pensem num pequeno bebê. Ele é totalmente dependente de quem cuida dele e quando necessita de algo começa a chorar e espernear. Um bebê não tem outros modos de lidar com a frustração e abrindo o berreiro faz com que seja notado e alguém venha cuidar dele, satisfazer suas necessidades. Conforme o bebê vai crescendo ele vai se deparando com cada vez mais frustrações e vai notando que não basta tão somente chorar para resolver as coisas, mas, sim, que ele precisa aprender a lidar com as adversidades de outras maneiras e que nem sempre poderá ser satisfeito na hora que quiser. É um processo que leva tempo e que demanda muita tolerância, afinal, construir toda uma capacidade de pensar não é da noite para o dia.

​Infelizmente, muita gente vive com a mente primitiva de um bebê, mesmo sendo adulto, e nunca aprende a desenvolver os próprios recursos internos para lidar com a vida de uma maneira mais eficiente. Se não mudamos como lidamos com nossas emoções, se não evoluímos nisso, sempre ficaremos presos a tudo o que sentimos.