O Natal é, para muitos, uma época carregada de simbolismo e emoção, onde a presença do amor, do acolhimento e do reencontro com o outro e consigo mesmo adquire intensidade particular. No entanto, essa data não é isenta de ambivalência, pois carrega consigo, ao lado do encanto, a sombra das expectativas familiares, das lembranças de tempos passados e das possíveis ausências. O Natal nos confronta com questões que podem tanto enaltecer a alma quanto trazer à tona dores latentes, desejos não realizados, expectativas sobre o afeto dos outros e até o peso da solidão.

Na clínica, é comum observar como, nessa época do ano, surgem inquietações que remetem às primeiras experiências afetivas, aos encontros e desencontros que marcaram a infância e aos rituais familiares que nos influenciaram. As celebrações de Natal evocam, portanto, uma revisitação dessas experiências. Para alguns, trata-se da reafirmação de um vínculo emocional seguro, um espaço de acolhimento que confirma a sensação de ser amado. Para outros, é um momento de confronto com a frustração, com a precariedade dos laços afetivos e com a ausência daqueles que não podem mais estar à mesa.

Podemos entender o Natal como um tempo onde transitamos entre o que é vivido agora e o que se preserva na memória, entre a promessa do novo e a repetição do antigo. É como se a própria festa natalina nos convocasse a revisitarmos quem somos, a refletir sobre os caminhos percorridos ao longo do ano e, ao mesmo tempo, a nos abrir para novas possibilidades.

Para alguns, o Natal é um território de entrega, um convite ao despojamento das defesas que, ao longo do ano, protegem o eu das incertezas e das vulnerabilidades emocionais. Nessa data, somos incitados, talvez mais do que em qualquer outro momento, a oferecer e a receber aquilo que temos de mais genuíno. Contudo, esse desnudamento emocional também pode trazer à tona o medo, a resistência e o receio de se confrontar com o que se deseja, mas que, ao mesmo tempo, parece distante ou inalcançável. Há, no fundo das festas natalinas, uma profunda questão sobre o que significa realmente amar e ser amado, dar e receber, confrontar o eu com o que ele se tornou, na constante tensão entre ideal e realidade.

Que o Natal nos inspire, então, a lidar com essas emoções complexas como parte do que nos torna humanos. Que possamos abraçar a possibilidade de uma vida mais autêntica, aceitando o passado e projetando um futuro mais compassivo. Se nos permitirmos viver essa celebração não como uma cobrança de felicidade instantânea, mas como um encontro íntimo com nossa própria jornada, com nossas conquistas e perdas, talvez possamos, enfim, ver no Natal a renovação do próprio desejo de viver, de buscar sentido e de abrir o coração para a nossa própria capacidade de amar e ser transformado pelo outro.

Que essa época seja, então, um espaço para o acolhimento e para a construção de uma paz interna, que, embora frágil e passageira, ilumine nossos passos e inspire novas relações. Que possamos, neste Natal, permitir que o espírito de renovação floresça, como um sopro de esperança, encorajando-nos a viver, a cada dia, com mais consciência e generosidade.

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