Na clínica psicanalítica, lidamos cotidianamente com uma matéria que não se vê, não se mede com instrumentos externos, não se fotografa nem se pesa. Estamos em contato com aquilo que se manifesta por entre as palavras, pelos gestos interrompidos, pelas ausências e silêncios que atravessam a fala. A psicanálise opera num território sutil, mas profundamente real: a mente humana, com suas contradições, conflitos e fantasias inconscientes.

Esse campo invisível é, muitas vezes, negligenciado justamente por não se encaixar nos critérios tradicionais de verificação. Não sangra, não incha, não aparece em exames laboratoriais. E, no entanto, sua força pode ser devastadora, de maneiras até catastróficas. Quantos sintomas físicos não têm raiz em sofrimentos não elaborados? Quantas decisões de vida são tomadas a partir de impulsos que o sujeito mal reconhece como seus? Quantas relações são destruídas por padrões repetitivos que operam abaixo do limiar da consciência, ou seja, fora da zona daquilo que se conhece?

Há, na mente humana, zonas de opacidade que funcionam como bolsões de energia psíquica mal distribuída, não simbolizada, que operam silenciosamente como um vírus latente. Podemos estar lidando com forças internas que são praticamente imperceptíveis, mas que possuem um efeito corrosivo, capaz de desorganizar vínculos, comprometer projetos, esvaziar o sentido da existência. E, frequentemente, isso acontece sem que o sujeito se dê conta. A dor, quando não é pensada, se transforma em ato, em retraimento, em indiferença ou em agitação. Isso tudo pode ser perigoso.

A tarefa do analista, nesse contexto, é penetrar nesse território obscuro, oferecendo um espaço em que o impensado possa começar a ser pensado. Como dizia Freud, a psicanálise trabalha com aquilo que foi recalcado, esquecido, ou nunca chegou a ser simbolizado. Trabalha com o que é rejeitado pela consciência, mas insiste em retornar nos sonhos, nos lapsos, nos sintomas. O que é ignorado ou desvalorizado por parecer “apenas psicológico”, uma angústia, uma tristeza vaga ou um incômodo recorrente, pode estar enraizado em experiências psíquicas antigas e primitivas, que permanecem atuando sem nome e sem forma.

Ignorar essa dimensão é correr o risco de ver vidas sendo guiadas por repetições destrutivas, relações afetivas minadas por ressentimentos inexplicáveis e a própria vitalidade sendo drenada por aquilo que permanece sem palavra. A mente não tratada, como um campo abandonado, pode ser tomada por ervas daninhas invisíveis. A psicanálise, ao contrário, propõe o cultivo paciente da alma, a escuta do que não foi dito, a construção de um espaço onde o sujeito possa se reconhecer em sua dor e também em sua potência.

Trabalhamos, nós psicanalistas, com o invisível, sim. Mas não com o irreal. Porque, como bem sabemos, há formas de sofrimento e de esperança que não aparecem nos exames, mas que têm o poder de transformar ou arruinar uma vida inteira. É nesse território que a psicanálise habita. E é aí que ela pode, silenciosa, mas ativamente, operar sua profunda ação de cuidado e transformação.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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