Em psicanálise há uma importante reflexão que nos diz que a gente só pode ter aquilo que suportamos perder. É uma frase carregada de significados e entendê-la é fundamental para podermos viver com mais sabedoria. Na vida, a sabedoria faz com que não precisemos sofrer além da conta.

Nessa frase de que "só podemos ter aquilo que suportamos perder" mostra que uma coisa só pode ser realmente vivida, realmente experimentada, se não houver um fantasma presente. O fantasma da falta. Tudo o que podemos viver já carrega dentro de si a sua ausência, ou seja, nem sempre poderá estar lá disponível. Veja uma flor, por exemplo, que se abre e nos gratifica com sua beleza e em alguns casos seu perfume, mas no momento que ela se abriu ela também está se condenando a decair e desaparecer. Ela não ficará lá eternamente fresca para o nosso prazer.

Tudo o que nasce já está condenado a morrer, a se esvair em algum tempo. Podemos não saber quanto de tempo há, mas sabemos que não temos tudo ao nosso dispor. Inclusive a nossa própria vida. Ela não é eterna, não estaremos sempre aqui. Assim que nascemos vem embutido em nós uma data de validade. Chegará uma hora que vamos "expirar".

Dar-se conta de que as coisas da vida são transitórias, passageiras, nos faz perceber que em algum momento haverá a falta. Se a flor se abriu em nosso jardim isso implica que chegará a época que ela murchará e cairá. Acontece que se ela se abrir e não suportarmos que ela não existirá em alguma hora deixaremos de aproveita-la, perderemos a chance de usufruir do momento presente que nos brinda.

Ao temer o fantasma da ausência, da falta, estragamos a experiência possível de se viver a presença. Se não suportamos que algum dia iremos perder, que o objeto que nos causa tanta admiração desaparecerá, não temos como gozar de quando ele está lá. Sabedoria seria então aproveitar sem desejar que as coisas sejam eternas. Sabedoria seria não temer o fantasma da falta.

Há pessoas que assim que começam seus relacionamentos amorosos já os carregam com tintas pesadas de altas doses de ciúmes que acabam por matar o relacionamento que poderia desabrochar lindamente. Esses ciúmes vêm de querer se agarrar a certeza de que o amado(a) estará sempre presente e que a relação jamais vai acabar. Quer possuir o amor, mas não suporta que o amor poderá um dia acabar. Lembram da frase: a gente só pode ter o que suportamos perder? Se não suportamos não vamos poder ter nada.

Já ouvi pessoas que dizem que não querem ter um cachorro apesar de gostarem tanto de cachorro porque como a expectativa de vida deles é curta, comparada à nossa, as pessoas teriam que ver o cachorro partindo em algum momento, talvez doente e sofrendo. Não suportariam a ausência e por isso mesmo escolhem não tê-lo.

Claro, ninguém é obrigado a nada, mas se uma pessoa quer tanto um cachorro, mas não suporta perde-lo acabará por não viver uma experiência que poderia ser muito enriquecedora. Há pessoas que fazem isso nos seus relacionamentos com outras pessoas também e deixam de viver experiências importantes.

Contudo, se aceitarmos com dignidade a transitoriedade das coisas poderemos também viver as coisas com muita graça e prazer. Os monges tibetanos criam mandalas de areia lindíssimas e complexas de serem feitas. Levam até meses para termina-las e assim que são concluídas há uma celebração e em seguida a destruição da mandala. Isso é para lembra-los e ensina-los constantemente que tudo é transitório.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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