Há um mito silencioso que nos atravessa a todos: o de que, em algum momento da vida, atingiremos um estado de completude, uma espécie de plenitude afetiva, existencial ou espiritual que nos pacificaria para sempre. Seria o amor perfeito, a realização profissional absoluta, a cura definitiva das feridas da infância — o ponto em que tudo, enfim, faria sentido. Mas na escuta clínica, vemos o avesso: é justamente essa crença na possibilidade de uma vida plena que mais adoece, que mais aprisiona e distancia o sujeito de si mesmo.

A experiência humana, tal como nos ensina a psicanálise, é constituída por uma falta originária. Não é possível viver sem desejo, e o desejo só existe porque falta algo. O sujeito se forma em torno de um vazio — um buraco inaugural, estrutural, que nunca se fecha. É esse vazio que nos move, que nos lança ao outro, que nos empurra à criação, à repetição, ao amor e ao sofrimento. A ilusão da plenitude, por sua vez, tenta recobrir esse vazio com um ideal impossível: ser inteiro.

A fantasia de plenitude é, portanto, uma defesa contra o desamparo fundamental da condição humana. Desejamos preencher o que nunca se preenche, como se a vida pudesse, um dia, encontrar um ponto final em que tudo se justificasse. Mas o que escutamos na análise é que esse momento não chega. E mais: quando se acredita tê-lo alcançado, ele se desfaz como areia entre os dedos. A alegria que parecia ser definitiva se dissipa, o amor se revela limitado, o reconhecimento profissional não sustenta a alma por muito tempo. O sujeito retorna, então, ao vazio — e, muitas vezes, com mais angústia do que antes.

A promessa de plenitude é uma promessa narcísica: busca-se não apenas a felicidade, mas a abolição de toda falta. Quer-se um amor que não frustre, um corpo que não envelheça, um eu que não falhe. Mas não há laço amoroso que não fira, nem desejo que se sacie de forma plena, nem vida que não carregue lutos, decepções e angústias. O amor, quando é verdadeiro, é sempre inacabado. Desejar é sempre faltar. Viver é, também, aceitar o inacabado.

A análise não propõe o preenchimento do vazio, mas a possibilidade de habitá-lo com menos dor, com mais verdade. Trata-se de abrir espaço para a incompletude sem exigir que ela desapareça. De reconhecer que a falta é o que nos humaniza, e que qualquer tentativa de negá-la — seja por meio do consumo, do ideal romântico, da performance incessante — nos aliena ainda mais de nossa condição humana, causando sofrimento desnecessário.

Enquanto estivermos vivos, jamais atingiremos o ponto em que o desejo cessa. E talvez seja justamente isso que dá sentido à existência. O vazio não é algo a ser vencido, mas algo a ser vivido. Não se trata de encontrar plenitude, mas de encontrar modos possíveis de viver com a falta — e, quem sabe, nela descobrir uma forma de criação, de amor e de presença no mundo. Não plena, mas suficiente. Não definitiva, mas viva.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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