Há uma historieta que conta sobre um homem que bebeu muito e voltando de madrugada para casa tropeçou e caiu sobre um arbusto espinhoso, machucando todo o rosto. Chegando em casa ele se deu conta de que seu rosto sangrava e foi então para o banheiro com alguns curativos cuidar dos machucados. Terminando ele foi para cama e dormiu, mas quando acordou surpreendeu-se em ver seu travesseiro todo manchado de sangue. Sem entender a razão, já que tinha colado curativos em todos os machucados, foi ao banheiro se olhar no espelho e percebeu, então, que todos os curativos estavam colados no espelho e não em seu rosto. Por estar bêbado não se dava conta que ele punha os curativos em seu reflexo acreditando que os estava colocando em si mesmo.

Imagem ilustrativa da imagem Nem sempre o óbvio é óbvio
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Tal como o personagem da historieta acima muitas pessoas mundo afora vivem querendo curar o que está fora e não o que está dentro. Isso acontece porque confundem a si mesmas com o mundo externo; e aquilo que vemos, aquilo que está no mundo externo é sempre mais fácil se tornar foco de nossa atenção. É muito comum ver pessoas querendo arrumar o mundo, consertar os outros, falar de tudo o que está fora, mas bem mais raras são pessoas que conseguem ver o que está dentro.

Quando algo interno não está bom não adianta querer consertar o mundo lá fora. Não dá para por curativos lá fora para fazer parar de “sangrar” o que está em nós. Mesmo assim, esse equívoco se perpetua levando a inúmeros mal entendidos. Confundimos as coisas achando que se consertarmos algo lá fora dentro de nós não vai doer mais. Contudo, não funciona assim.

Voltar-se para dentro de si mesmo, entretanto, é algo trabalhoso. A gente não vê nosso mundo interno, mas podemos senti-lo. É através do que sentimos que podemos entender o que se passa conosco e quando percebemos que algo é tal qual uma ferida podemos tratar. Assim, podemos curar as feridas internas, compreendendo que curar tem origem no latim e quer dizer "cuidar". Curamos nossas feridas cuidando delas.

Não só nosso corpo sangra e sofre, mas nosso psiquismo também, mas de maneira simbólica. Há vastos exemplos do sofrimento mental nas artes: literatura, cinema, pinturas, etc. A dor mental é parte de nossa existência, o que requer, portanto, que seja cuidada de maneira apropriada. Quem nega ver e tratar do próprio mundo interno vive mal, aquém do que poderia.

No entanto, a dor mental não é bem vista nem bem aceita. É encarada como fracasso, algo a ser evitado a todo custo. Daí, ao invés de nos depararmos com as feridas internas e curá-las, viramos para todas as feridas que vemos no mundo lá fora. Há um excesso de tentativas de curar esse mundo e agindo assim fazemos com que ele sangre cada mais.

Esse conhecimento de cada um aprender a tratar de suas próprias feridas não é algo moderno. O próprio Buda dizia que era inútil tentar salvar o mundo e que a única maneira de se chegar perto disso era cada um aprender a cuidar de si. Quem cuida de si, quem trata os próprios machucados com amor e generosidade, acende uma luz que pode se propagar. Mesmo sendo antigo esse conhecimento, chegando até mesmo a ser óbvio, são poucos os que o entendem. Aliás, geralmente aquilo que é o mais óbvio parece ser sempre o mais difícil de entender e assimilar.