Nem no céu nem no inferno
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023
Sylvio do Amaral Schreiner

Muito se fala sobre positividade, sobre se ter que ser positivo na vida. Agora, fala-se também sobre positividade tóxica quando a positividade vai mais servindo para nos deixar mal que bem. O grande problema da positividade, como é entendida geralmente, é que se tem uma ideia errônea da vida e de que basta ter pensamentos positivos e alegres que tudo terminará bem. O problema com isso é que todo sentimento de frustração e as adversidades são sentidos como fracassos ou coisas que jamais deveriam nos acontecer. A verdade é que a vida também traz uma série de dissabores.
Quando alguém se entristece é bem frequente que as pessoas em volta logo digam que não há motivo para tal ou que sentir tristeza não está com nada e que devemos mesmo é buscar alegrias em todo o momento. Cada vez mais há menos espaço para a tristeza, para sentimento que são tidos como negativos e que acredita-se que deveriam ser evitados. Isso é muito ruim pois tira parte da nossa humanidade.
Em muitos momentos nós encontraremos situações que nos deixarão tristes. Lutos e perdas fazem parte da vida e vão surgir uma hora ou outra e não conseguiremos e nem precisamos evitar nos deixar tocar por tudo isso. Sem um espaço para tristeza não podemos refletir nem assimilar fatores importantes que fazem com que nos tornemos nós mesmos. Apesar de haver tanta crítica com momentos assim, compreendidos como momentos de estar para baixo, eles são fundamentais para aprendermos e crescermos.
No best-seller ‘A vida é difícil’ do filósofo Kieran Setiya, ele destaca que há uma tendência espalhada pela cultura de uma ideia de vida idealizada e cheia de prazeres como se não houvesse ou pudéssemos nos esquecer das adversidades. Só que essa ideia acaba por gerar muita infelicidade no fim porque é irreal. Para o filósofo, a possibilidade de ser feliz envolve enfrentar dissabores e enxergar o mundo como ele é. A psicanálise, por sua vez, nos mostra que quanto mais evitamos contato com a realidade mais alucinamos, mais lidamos com o que criamos dentro de nós e não com o que existe de fato. E nesse alucinar tanto podemos criar mundos totalmente pseudo maravilhosos, cheios de encantos mil, sem nenhuma dificuldade, quanto também podemos criar mundos tenebrosos repletos dos piores cenários possíveis.
Há pessoas que parecem que procuram viver como se estivessem dentro de uma rede social que só mostra deslumbres e gratificações prazerosas uma atrás da outra e tem gente que sente como se vivesse dentro dos piores filmes de terror com perigos mortais virando em cada esquina. Ambas as formas de viver são bem simplistas e limitadas.
Podemos dizer que o melhor mesmo e o mais sábio é viver nem no céu nem no inferno, mas aqui na terra, no real. Aqui há maravilhas que podemos aproveitar e até expandir; e atribulações de sobra que precisamos enfrentar e não nos deixar subjugar. Em outras palavras, precisamos aprender a lidar com a vida e para isso necessitamos nos desenvolver.

