A crescente proliferação das psicoterapias por aplicativos reflete uma busca pelo alívio imediato do sofrimento psíquico, na promessa de uma resolução rápida e acessível como o primeiro gole de um refrigerante. Em 2015, nos Estados Unidos, três dos dez aplicativos mais baixados já eram dedicados à saúde mental, e em 2018, com o agravamento da crise de saúde mental, essa demanda aumentou em 36%, transformando o autocuidado em um produto de consumo. Desde então, o patamar de downloads se manteve, acompanhando a ascensão de uma nova “cultura do bem-estar” digital, que enraizou o autocuidado na lógica do “faça-você-mesmo”, mas reduzindo-o, em grande parte, a práticas genéricas e simplistas. Segundo os estudos de Fernanda Bruno e sua equipe no medialab da UFRJ, esses apps instigam uma sedutora identificação diagnóstica, onde a descrição de comportamentos, traços e diagnósticos parece revelar ao usuário “quem ele é”.

A experiência, porém, se assemelha a uma satisfação momentânea: inicialmente refrescante, mas, como um refrigerante aquecido, seu sabor torna-se enjoativo, expondo o vazio que esse alívio fugaz deixa. A promessa de bem-estar e autocuidado esbarra em um paradoxo: ao fomentar uma identificação com diagnósticos e descrições superficiais, esses aplicativos incitam um foco intenso no “eu”, o que pode acabar exacerbando a ansiedade, o isolamento e a autocrítica. Sem a presença de um outro acolhedor e seguro, essa autorreflexão guiada por algoritmos transforma o sofrimento psíquico em uma mercadoria, algo que pode ser administrado por meio de dados e gráficos, mas que evita uma investigação profunda de seu significado.

O sofrimento psíquico, como mostra a psicanálise, exige uma elaboração complexa e relacional. Diferente da abordagem dos aplicativos, que oferecem soluções imediatas para a ansiedade, o estresse ou os problemas de sono, a psicanálise entende o conflito não como uma “falha” a ser consertada, mas como parte de um processo que ocorre dentro do paciente. Os aplicativos, ao contrário, funcionam sob a lógica de uma “e-saúde mental fitness”, onde técnicas de mindfulness, diários e automonitoramento são sugeridos como panaceias para aliviar o mal-estar. A promessa de personalização que eles vendem, entretanto, é ilusória: estudos revelam que, apesar de apresentarem-se como ferramentas singulares e ajustadas ao usuário, esses aplicativos acabam por oferecer respostas genéricas, quase como um espelho padronizado que reflete o mesmo rosto para todos, perpetuando a sensação de vazio e levando ao declínio do vínculo do usuário em poucos meses.

Essa lógica do autocuidado digital, centrada no indivíduo e em técnicas de autossuficiência, ignora a dimensão relacional da psique e o papel transformador da palavra acolhida em um espaço seguro. Para a psicanálise, o sofrimento psíquico não se reduz a sintomas que podem ser geridos individualmente com exercícios de relaxamento. Ele é, na verdade, uma expressão dos conflitos inconscientes, dos lutos, das frustrações e dos vínculos que nos constituem como sujeitos. A verdadeira psicoterapia, portanto, não surge do autocuidado isolado, mas do encontro com um outro, do diálogo e da escuta que desvelam significados ocultos e oferecem uma possibilidade de elaboração profunda.

A promessa dos aplicativos de terapia é, assim, limitada por sua própria estrutura: eles oferecem uma experiência imediata, mas sem a densidade que sustenta a mudança psíquica genuína. A sedução de um diagnóstico rápido e de uma identidade instantânea se dissolve com o tempo, deixando o sujeito com um “gosto enjoativo” e um retorno à ansiedade. Somente na presença de um outro acolhedor, que aceita a palavra compartilhada sem pressa de respostas definitivas, é possível transformar o conflito interno em algo que transcende o consumo rápido e se traduz em crescimento psíquico.

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