No filme norueguês A pior pessoa do mundo (2021) a protagonista Julie não consegue sossegar. Pensa inicialmente que quer ser médica e começa a faculdade, mas depois decide que quer psicologia e muda de curso para após algum tempo mudar completamente de rota e tentar a fotografia. Seus parceiros amorosos são vários e quando pensa que encontrou alguém com quem quer viver mais intimamente se entendia e encontra um outro cheio de novidades. Nada fica estável em sua vida, tudo fica a perigo, incluindo a própria vida mental de Julie.

Sneaker shoes and arrows pointing in different directions on asphalt ground, choice concept
Sneaker shoes and arrows pointing in different directions on asphalt ground, choice concept | Foto: iStock

Esse filme retrata muito bem a busca por um sentido na vida principalmente nos dias de hoje quando parece haver tantas opções, mas qual a melhor? Qual dentre a inúmeras possibilidades é a certa ou mais apropriada? Especialmente entre os jovens atuais não faltam alternativas para carreiras nem para relacionamentos amorosos. Tudo está no plural, mas isso acaba mais confundindo do que ajudando a decidir. A consequência pode ser uma grande sensação de insatisfação e a origem de uma idealização de alguma coisa que possa trazer o fim dessa mesma insatisfação, ou seja, uma ilusão.

Creio que o filme aborda duas questões muito importantes: a responsabilidade que cada um tem pela sua vida e a possibilidade de se criar relações mais íntimas e aprofundadas.

A responsabilidade passa pela escolha. Escolher dentre tantas opções disponíveis significa abrir mão de muitas outras. Quando escolhemos algo é porque não podemos ter tudo ou ser tudo, mas precisamos aceitar os limites da condição humana e nos atermos às nossas escolhas. Ao escolher um caminho para essa vida deixamos muitos outros de lado e fazer isso gera angústia já que todo caminho escolhido vai ter seus tumultos e inquietações. Isso pode gerar dúvidas se escolhemos certo e trazer medo. Qualquer caminho que nos dispusermos a trilhar vai originar agitações, não tem nenhum caminho que só dê certezas.

A personagem Julie parece idealizar um caminho, uma profissão, um relacionamento que não a faça nunca ter dúvida alguma como se tal coisa fosse possível. Não encontrando essa certeza que idealiza não continua no que começou e parte logo para o próximo curso, a próxima pessoa, a próxima atração. Nada pode então perdurar. Quem não consegue assumir o cuidado consigo mesmo não consegue fazer escolhas. Só no momento que compreendemos que precisamos nos cuidar podemos escolher algo em detrimento de muitas outras possibilidades. Por não poder justamente fazer escolhas a protagonista do filme não pode também se aprofundar em algo (como se aprofundar se nada foi escolhido?) ficando tudo muito superficial.

Uma profissão qual seja, um relacionamento amoroso, demandam tempo, tolerância às frustrações e aprender com as experiências. Aí algo vai podendo ser aprofundado, enraizado. Com raízes ficamos mais estáveis e não tão suscetíveis. Estabilidade completa, cem por cento, não existe, mas viver sem estabilidade alguma torna a vida impossível. Isso que ocorre com Julie, sua vida vai se tornando impossível e ela deixa de viver coisas importantes. A falta de responsabilidade com ela mesma e o medo de se aprofundar em algo a fazem correr atrás da próxima grande atração. Nada contra isso, cada um vive como pode, mas fica sempre uma insatisfação que talvez não fosse necessária. Quem sabe não precisamos estar correndo tão desesperadamente atrás de novidades e possamos escolher? Quem sabe não possamos aprender a nos cuidar melhor e mais sabiamente?

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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