Vivemos um tempo que nos traz algumas dificuldades. Fica contraditório o que somos obrigados a encarar. Atualmente há toda uma série de tecnologias criadas que facilitam nossa vida de uma maneira que nunca ocorreu antes na história. Comunicação com quem quer que seja, em qualquer lugar do mundo, de forma imediata; confortos inimagináveis até para reis de outras eras estão disponíveis para muita gente; facilidades de muitos tipos estão ao nosso alcance. Isso tudo parece que trouxe uma ideia de que sofrer não tem mais lugar nesse mundo. Sofrer ficou out, fora de moda e é só para os fracassados. Nossa cultura hoje não aceita o sofrimento.

Imagem ilustrativa da imagem É possível fugir da condição humana?
| Foto: iStock

Obviamente não devemos de forma alguma cultivar o sofrimento, porém há uma diferença entre cultivar o sofrimento de forma, vamos dizer, masoquista e sofrer porque isso faz parte da condição humana. Por maiores que sejam nossos confortos e facilidades hoje em dia, o sofrimento mental, principalmente, é parte da nossa condição.

O sofrimento psíquico se dá quando percebemos a nossa condição humana. Não somos perfeitos, temos limites, não podemos tudo, não somos completos. Desejamos e muitos desejos nunca poderão ser satisfeitos. Amamos, mas podemos perder quem amamos, seja por morte ou por abandono. As coisas não são fixas. Filhos podem ir embora, relacionamentos podem ser desfeitos, decepções podem ocorrer. Enfim, a condição humana é lidar com o sofrimento em vários momentos.

Só que controlamos tanta coisa tecnologicamente que fica uma sensação estranha quando não controlamos a subjetividade. Achamos que quando sofremos psiquicamente algo está errado e estamos fracassando em cheio. Como se pudéssemos passar pela vida sem nos darmos conta da nossa própria subjetividade. Sofrer, também, além de gerar uma sensação de desamparo gera um sentimento de solidão. E hoje achamos que não podemos estar a sós conosco, mas carregamos uma obrigação de estar sempre dentro da festa.

Não muito tempo atrás o mandamento a que seguíamos era: Não gozarás! Agora, a obrigação é: Gozarás! Acreditamos que precisamos sentir prazer a todo instante, sem jamais sermos incomodados, sem nunca se depararmos com qualquer sentimento que não for o de curtir. Estamos, simbolicamente, vivendo numa rave descontrolada e desvairada.

Não é à toa que nunca se consumiu tantas drogas quanto hoje. As drogas sempre estiveram presentes na história humana, mas agora saiu do controle. Tanto as drogas lícitas quanto as ilícitas. Bebe-se demais, além da conta. Droga-se demais, como nunca se drogou antes. Não vamos esquecer também das drogas médicas quando usadas de maneira inadequada. Drogar-se é uma maneira de não encarar a própria subjetividade, de não lidar com as dores que se sente.

Primeiro a droga surge como um objeto de prazer, mas rapidamente torna-se um objeto de necessidade. Precisamos dela para não olhar para dentro de nós e responder a questões difíceis. Essas questões são: Quem somos nós? O que queremos e podemos? Essas perguntas incomodam e quando não temos a menor tolerância à frustração sentimos a necessidade de fugir delas. Daí as drogas se tornam uma necessidade e um imperativo. Não só as drogas, mas qualquer coisa que usamos e com as quais atuamos compulsivamente estão nesse mesmo funcionamento.

Não sabemos sofrer e enquanto não aprendermos a sofrer dignamente sempre vamos buscar fugir de nossa condição humana, ou seja, não seremos verdadeiramente humanos.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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