Depressão não é fraqueza e tampouco é só tristeza
A mente humana não opera em linhas retas; ela se constitui por sobreposições, zonas obscuras, desejos contrariados, memórias difusas
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segunda-feira, 21 de abril de 2025
A mente humana não opera em linhas retas; ela se constitui por sobreposições, zonas obscuras, desejos contrariados, memórias difusas
Sylvio do Amaral Schreiner

É comum, no discurso cotidiano, que a depressão seja confundida com uma tristeza mais intensa ou prolongada, como se estivéssemos falando apenas de um estado de ânimo rebaixado que passaria com algum descanso, distração ou consolo. Mas, na clínica psicanalítica, aprendemos que a depressão é um campo muito mais complexo e atravessado por forças psíquicas múltiplas, às vezes contraditórias, que não se deixam reduzir a um único afeto ou diagnóstico.
A mente humana não opera em linhas retas. Ela se constitui por sobreposições, zonas obscuras, desejos contrariados, memórias difusas e defesas que se organizam para sustentar algum equilíbrio possível frente ao sofrimento. Quando esse equilíbrio se rompe, não emerge apenas uma emoção isolada, como a tristeza, mas um verdadeiro colapso no tecido que sustenta o sentido de si e do mundo.
Há em muitas depressões um luto não elaborado, mas nem sempre por uma perda concreta. Pode ser a perda de um ideal, de uma imagem de si, de uma ilusão que sustentava o viver. Há também raivas voltadas contra o próprio eu, ressentimentos que não puderam ser simbolizados, experiências de vazio que remetem a falhas precoces na vida. Muitas vezes, o que chamamos de depressão é um estado em que a mente, sobrecarregada de excitações não digeridas, de sentimentos não nomeados, se recolhe, como um animal ferido. Esse recolhimento não é covardia, mas uma tentativa precária de preservação.
A pessoa deprimida pode sentir-se sem esperança, sem energia, sem desejo — mas, por trás disso, podem coexistir sentimentos intensos de culpa, vergonha, inveja, medo, desamparo e uma nostalgia de algo que talvez nunca tenha existido. É um estado de alma que pede escuta, não julgamento. Pede presença, não soluções rápidas. E é nesse ponto que a psicanálise se oferece como espaço possível de cuidado.
Ao longo de um processo analítico, o paciente tem a oportunidade de se aproximar da complexidade de seu próprio mundo interno. Não se trata de eliminar a dor, mas de compreendê-la, de encontrar palavras para aquilo que parecia só um peso sem forma. O que antes era vivido como paralisia ou fracasso pode ganhar contornos mais claros, como experiências de perda, de amor não correspondido, de desejos interditados, de traumas que precisavam ser metabolizados.
A depressão, então, não é apenas um problema a ser resolvido, mas uma mensagem a ser escutada. A psicanálise não promete curas rápidas nem soluções definitivas. O que oferece é um percurso — uma travessia possível para quem sofre. Ao nomear as emoções confusas, ao construir um vínculo com um outro que escuta e sustenta, ao resgatar narrativas perdidas ou fragmentadas, o sujeito pode começar a viver de forma mais autêntica, menos preso às exigências cruéis ou ao peso de ideais inatingíveis.
Depressão não é fraqueza, não é falta de força de vontade, e tampouco é só tristeza. É um modo de sofrer que embota a vida. E é apenas quando o sujeito se autoriza a investigar o que existe dentro de si — com todos os paradoxos, silêncios e dores — que pode encontrar, talvez, um novo modo de estar no mundo. Não mais como alguém dominado pela escuridão, mas como alguém que reconhece suas sombras e aprende a caminhar com elas.

