O enigma da morte sempre assombra o pensamento humano. A finitude da vida é um tema que atravessa a história da humanidade, permeando as religiões, filosofias e, certamente, a psicanálise. Ao confrontar a realidade da morte, somos lançados em uma dimensão de questionamento, onde o tempo adquire um novo significado: não é o "quando" que governa nossa existência, mas o "como". A frase da cantora norte-americana Joan Baez “Você não pode escolher como vai morrer. Ou quando. Você só pode decidir como vai viver”, nos coloca frente à urgência do presente, ao confronto com o que se faz da própria vida no instante em que ela se desenrola.

Muitos pacientes chegam com fantasias de controle absoluto sobre seus destinos. O medo da morte, da perda ou do fracasso é frequentemente expresso através de sintomas ansiosos ou depressivos, manifestando-se como uma tentativa de fugir da vulnerabilidade inerente à existência. O desejo de controlar o "quando" e o "como" morrer reflete, em última instância, uma defesa contra o desamparo profundo que a morte simboliza. Freud, ao tratar dos mecanismos de defesa, apontou para esse desejo inconsciente de domínio sobre o incontrolável, uma forma de lidar com a angústia da impermanência.

A psicanálise nos convida a pensar sobre a vida para além do medo da morte. O “como” viver no presente requer uma transformação psíquica. Para alguns, essa transformação ocorre quando enfrentam a inevitabilidade da finitude e começam a se perguntar: como estou vivendo? Essa pergunta, embora simples, exige uma coragem para confrontar as escolhas e as repetições que se perpetuam em nossas vidas.

Bion, psicanalista inglês, falava da capacidade de "sofrer as experiências emocionais", uma habilidade que nos permite tolerar o desconhecido sem ceder à pressa de controle ou à evasão da dor. Viver o "agora" implica justamente nessa abertura para o que não pode ser controlado ou previsto. No processo analítico, essa capacidade é desenvolvida gradualmente, à medida que o paciente aprende a se permitir sentir o que antes era insuportável, a viver as suas emoções sem a necessidade de reprimi-las ou distorcê-las.

Frequentemente, é nesse "agora" que as dores, que antes estavam enterradas no inconsciente, emergem de forma intensa. São dores psíquicas que, quando evitadas, limitam a vida. No entanto, quando reconhecidas, permitem uma expansão da mente criativa, uma capacidade de estar presente na vida de uma forma mais autêntica e integrada. Esse é o momento em que a psicanálise oferece uma via para transformar o medo da morte em uma vivência plena da vida.

Decidir como viver implica aceitar que não podemos controlar o fim. Mas, paradoxalmente, é esse reconhecimento que abre a possibilidade de uma vida mais verdadeira. O tempo presente, que muitas vezes escapamos, torna-se o único espaço real onde as escolhas são feitas, onde a transformação psíquica se dá. Na clínica, o analista testemunha e participa desse processo, muitas vezes lento e doloroso, em que o paciente se move da inércia do passado e da ansiedade em relação ao futuro para uma abertura ao agora.

Assim, “decidir como vai viver” se transforma em uma proposta de reconciliação com a própria condição humana. A análise nos convida a abandonar a ilusão de controle e, em vez disso, a abraçar o potencial transformador do presente, onde o medo da morte perde sua força paralisante e abre caminho para uma vida vivida com mais inteireza. É nesse “agora” que a verdadeira escolha reside: viver não como uma defesa contra a morte, mas como uma afirmação da vida

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