Castelos de Areia
Se nos apegarmos a tudo aquilo que vai desabar logo, ficaremos sempre com a sensação de desamparo, de sermos abandonados
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 15 de agosto de 2022
Se nos apegarmos a tudo aquilo que vai desabar logo, ficaremos sempre com a sensação de desamparo, de sermos abandonados
Sylvio do Amaral Schreiner

O mundo aparenta estar cada vez mais hostil, cada vez mais amedrontador. As manifestações de violência no dia a dia, injustiças e descasos e tantas outras situações que nos trazem assombro e desesperança vêm se acumulando e nos deixando perplexos, sem muitas vezes saber como lidar com tudo o que acontece. São situações que causam dor e medo. Não que antigamente essas coisas não existiam, mas agora está tudo muito mais explícito, muito mais divulgado e impossível ignorar. Nos sentimos desamparados frente à tantas demandas que nos abalam.
Fora todas as situações externas que nos chega de fora temos também de lidar com as demandas internas. Com nossos desejos, nossas angústias, com quem somos e com quem podemos vir a ser. Há estímulos externos e internos que nos invadem como uma avalanche exigindo que lidemos com frequência e urgência com o que nem mesmo entendemos. Há tanto a dar conta ao longo de nossas vidas e essa sensação de estarmos desabrigados e expostos sem muito recursos para enfrentar a vida nos atinge em cheio.
A condição humana é mesmo a do desamparo. Sempre foi e sempre será. Com isso quero dizer que nunca vamos encontrar uma segurança completa, totalmente satisfatória que nos traga uma estabilidade cem por cento garantida. Estamos continuamente na corda bamba, nos equilibrando sem nunca ficarmos equilibrados de maneira permanente. A vida está constantemente em mutação e temos que ir lidando com todas as mudanças que nos deparamos tanto externa quanto internamente. Essa condição humana de transitoriedade nos assusta e nos faz viver em sensação de insegurança.
Não é à toa que tentamos buscar verdades dogmáticas que pudéssemos nos apegar a fim de acharmos que encontramos algo que nos assegure. Religiões que prometem a entrada no paraíso, crenças milagrosas nisso ou naquilo, criações de heróis na vida e na política, são todas tentativas de nos iludirmos achando que agora estamos seguros para valer. Mas são como castelos de areia que quando chega um vento forte ou uma onda do mar desmoronam rapidamente.
Imagine uma criança que à beira da praia constrói um castelo. Dedica-se todo um tempo a erigir a sua fortaleza, porém chegará uma hora que essa construção será destruída seja por uma pisada de alguém, pelo vento, pela maré ou até mesmo pelo fato da criança ter que ir embora e deixar a construção lá desprotegida. Enfim, não é essa uma construção que durará. Agora, se fizermos isso com nossas vidas, se nos apegarmos a tudo aquilo que vai desabar logo, ficaremos sempre com a sensação de desamparo, de sermos abandonados.
Para lidar com essa vida hostil, então, se faz necessário construir algo muito mais verdadeiro, que tenha mais eficácia: a própria mente. É com nossa mente que podemos criar recursos para lidar com a vida. É com a nossa mente que podemos viver com mais dignidade e ficarmos menos desamparados. Nossa casa, nossos castelos que devemos habitar, não devem ser feitos de areia, mas dentro de nós mesmos, na nossa subjetividade. Agora que percebemos, como talvez nunca antes, um mundo tão hostil, se faz necessário nos valermos da nossa mente com mais ênfase ainda. É ela que vai nos garantir, não a segurança completa, contudo a possibilidade de lidar com a vida de maneira mais inteligente e menos sofrida.
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