No cotidiano, ouvimos com frequência a expressão “cair na real”. Por trás de sua aparente simplicidade, encontra-se uma experiência psíquica: o desmoronamento de ilusões que sustentavam nossa relação com o mundo e com nós mesmos. Esse processo, inevitável ao longo da vida, carrega consigo um caráter doloroso, pois confronta o indivíduo com as limitações da realidade, a falibilidade das fantasias e, muitas vezes, o confronto direto com perdas significativas.

Assim como Freud descreveu em Luto e Melancolia (1917), a perda não se limita à morte de uma pessoa amada, mas inclui também a perda de ideais, de expectativas e de imagens idealizadas do outro e de si mesmo. Quando as ilusões caem, aquilo que nos servia de suporte – a crença em um amor perfeito, em uma carreira sem fracassos ou na completude da existência – dissolve-se, deixando um vazio que precisa ser encarado e, eventualmente, transformado.

O desmoronamento das ilusões é vivido como um abalo narcísico. A dor desse abalo não é apenas a perda do objeto externo, mas a perda de uma parte de nós que estava investida naquele objeto ou ideal. É comum que, diante desse sofrimento, busquemos refúgio em mecanismos de defesa como a negação, a idealização ou até mesmo a agressividade, para evitar o confronto direto com o real. No entanto, tais estratégias, embora possam oferecer alívio momentâneo, não promovem a verdadeira elaboração psíquica.

O enfrentamento dessa realidade dolorosa exige o desenvolvimento de recursos internos, um trabalho que, segundo Bion, envolve a capacidade de “sofrer o pensamento”. Ou seja, é preciso ser capaz de tolerar a frustração e a angústia que acompanham a desilusão, sem recorrer a fugas imediatas. Aqui, entra a importância da criatividade psíquica: a habilidade de criar novos significados a partir da experiência vivida.

Quando conseguimos voltar a atenção para nós mesmos, abrimos caminho para a construção de recursos internos mais eficientes. Este movimento não é simples, pois implica aceitar as próprias fragilidades e limites. No entanto, é justamente nessa aceitação que a mente encontra a possibilidade de transformação. Afinal, ou permanecemos aprisionados na lamentação da perda ou mobilizamos nossa energia psíquica para criar novas formas de relação com a vida.

Nesse processo, a psicanálise pode desempenhar um papel central, oferecendo um espaço para que o sujeito se debruce sobre suas desilusões e encontre, no diálogo consigo mesmo e com o analista, os contornos de uma nova forma de ser. A transformação que daí emerge não é uma reparação mágica, mas um crescimento genuíno, que permite ao indivíduo lidar com as dores da vida de maneira mais criativa e menos paralisante.

“Cair na real” é, portanto, um convite à maturidade. Implica em aceitar a realidade como ela é, reconhecendo que a felicidade plena e a ausência de sofrimento são mitos. O que podemos alcançar, em última instância, é uma relação mais autêntica com nós mesmos e com o mundo. Quando nos voltamos para dentro e cultivamos a capacidade de criar recursos internos, tornamo-nos capazes de enfrentar as adversidades com maior resiliência. É uma oportunidade de renascimento psíquico, onde deixamos de depender do ilusório e passamos a nos apoiar em uma mente mais robusta. É aí que reside a verdadeira liberdade e a possibilidade de uma vida plena em sua imperfeição.

Sylvio do Amaral Schreiner é psicanalista e atende há mais de 20 anos em Londrina. [email protected]