A ansiedade é tratada como um incômodo a ser removido, um sintoma a ser suprimido, como se pudesse ser calada à força, ou extirpada do aparelho psíquico com soluções rápidas e padronizadas. No entanto, sob a escuta psicanalítica, a ansiedade revela-se muito mais como um estado de alma do que como um mero transtorno. Ela se configura como uma experiência emocional complexa que habita o espaço entre o que desejamos que a realidade seja — e o que ela de fato é.

Na clínica, é frequente encontrarmos sujeitos tomados por uma inquietação persistente, quase uma aflição crônica, diante da vida que têm. Uma vida que não corresponde às imagens idealizadas construídas ao longo dos anos, muitas vezes desde a infância. Essas imagens — de um amor pleno, de um trabalho perfeito, de um corpo ideal, de um eu sempre competente — tornam-se padrões rígidos contra os quais a realidade é constantemente medida, e quase sempre julgada insuficiente.

Ocorre, então, uma espécie de aprisionamento narcísico: ao invés de lidar com o que está presente, o sujeito se aferra àquilo que deveria estar. Há pouco espaço para o imprevisto, para a imperfeição, para o outro como ele é — e não como gostaríamos que fosse. Esse apego ao ideal é, em muitos casos, o verdadeiro motor da ansiedade. Pois quanto maior a rigidez das imagens internas, maior será a tensão quando a realidade insiste em não se dobrar a elas.

A ansiedade, assim compreendida, não é apenas medo do futuro, mas também luto mal elaborado pelo presente que não coincide com o esperado. Trata-se de um sofrimento que nasce da dificuldade em tolerar a frustração, em aceitar o curso da vida como processo e não como produto acabado. O real, com sua natureza incerta e sua oferta de encontros e desencontros, exige do sujeito uma plasticidade psíquica que a ansiedade, em sua forma paralisante, frequentemente obstrui.

A função analítica, nesse ponto, não é propor um novo ideal a ser alcançado, mas sim criar condições para que o sujeito possa se reconciliar com a experiência real. A análise convida a uma travessia: sair da ditadura do “como deveria ser” e entrar no território mais fértil, porém mais instável, do “como é”. E é somente aí, nesse solo menos controlado, que a vida pode ser verdadeiramente vivida e pensada.

Nos relacionamentos amorosos, por exemplo, a expectativa de uma fusão perfeita impede que o outro seja visto em sua alteridade. No trabalho, a busca por desempenho absoluto pode engendrar uma ansiedade produtiva apenas na aparência, mas devastadora em profundidade. E na vida pessoal, o apego a uma imagem idealizada de si frequentemente encobre a dor, a dúvida e o desejo — elementos essenciais à construção de uma subjetividade viva.

Desprender-se do ideal não significa renunciar aos sonhos, mas transformar o modo como nos relacionamos com eles. É reconhecer que o ideal pode ser bússola, mas não tirano. E que a realidade, ainda que imperfeita, guarda em si riquezas que só podem ser descobertas quando nos autorizamos a viver o que há — e não apenas o que gostaríamos que houvesse.

A psicanálise, nesse sentido, não cura a ansiedade como se ela fosse uma doença a ser erradicada. Ela a transforma, escutando seus contornos, desvelando seus sentidos e ajudando o sujeito a fazer as pazes com a incerteza da existência. Porque viver — verdadeiramente viver — é aceitar que a realidade nunca será perfeita, mas pode, sim, ser suficientemente boa para que algo de novo, criativo e surpreendente se inaugure.

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

mockup