O adjetivo singelo nos dicionários significa aquilo que é simples, sem enfeites demasiados e serve para descrever aquilo que não porta complicações. As coisas mais importantes na vida são, ou pelo menos deveriam ser, singelas. Quando há um excesso de adereços acaba atrapalhando muito e daí é fácil haver confusões e enganos. Sabe a máxima popular que diz que menos é mais? É exatamente por essa sabedoria pela qual passa a singeleza que o livro A PARTE QUE FALTA ENCONTRA O GRANDE O, do escritor Shel silverstein, nos encanta.

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. | Foto: iStock

O livro, que é considerado literatura infanto-juvenil, trata de coisas tão difíceis e complexas da vida com uma simplicidade surpreendente e de uma forma adorável que as pessoas mais sensíveis, de todas as idades, vão ficar maravilhadas e emocionadas. A verdade é que para ser singelo e também para captar a singeleza é necessário ser sensível. Sem sensibilidade a singeleza fica impossibilitada.

A narrativa se concentra numa personagem que é um desenho geométrico chamado “a parte que falta” e que se sente só, desejando companhia e ser parte de algo no qual se sinta inteira ou completa. Essa personagem, essa parte que falta, somos todos nós. É assim que nos sentimos na vida, sozinhos e incompletos e desejamos e esperamos encontrar alguém ou algo lá fora que nos faça nos sentir completos. Procuramos a tal da completude nos relacionamentos, nos trabalhos, nos papeis sociais que assumimos, mas o resultado é sempre uma frustração porque a completude nunca se realiza.

No enredo do livro a parte que falta procura outra parte onde ela possa se encaixar perfeitamente. Em algumas ela sobra para fora porque não há espaço suficiente, em outras ela folga porque o espaço é muito maior que ela, outras partes não entendem ou se assustam com a necessidade da parte que falta de encontrar algo que a complete e fogem. A consequência de toda essa busca, que na verdade é uma busca desesperada, é uma desilusão porque nada lá fora é encontrado onde ela sinta que se encaixe perfeitamente. As pessoas se sentem muito desapontadas quando o que esperavam, a perfeição, não se dá como gostariam. Muitas desordens psíquicas advêm dessa desilusão.

A parte que falta tenta se enfeitar, se colocar embaixo de um letreiro luminoso para chamar atenção e seduzir alguma outra parte, mas tudo é ineficiente. Até o momento que ela encontra algo em que se encaixa. Que felicidade! E saem as duas partes muito satisfeitas, porém a satisfação dura apenas por um certo período já que a parte que falta se modifica e cresce, não conseguindo então mais se encaixar na outra que antes se encaixava. E começa de novo toda a angústia.

Assim vivemos. Vamos procurando um encaixe impecável e ideal e quando pensamos que encontramos vemos depois de um tempo que não era bem assim. Contudo, a parte que falta nunca tinha aventado a possibilidade de ela não se encaixar em algo externo. Não percebemos isso. Só após muito trabalho interno podemos desenvolver a simplicidade de compreender que não precisamos nos encaixar, mas ser a si mesmo, aceitar que não precisamos de completude e que podemos lidar com nossa condição humana de sempre faltar algo. A felicidade na vida não vem do fato de sermos ou encontrarmos a completude, mas de se viver as possibilidades mesmo sendo incompletos. Apesar de ser uma verdade simples e óbvia requer que paremos de nos adornar com isso ou aquilo e que aprendamos a ser singelos em nossas vidas. Pena que seja pequeno o número de pessoas que consigam ver isso.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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