Toda minha indignação aos que tratam os trabalhadores do setor de serviços como se estes fossem seus empregados. Sempre me incomodou seriamente essa mania. Seus portadores são acometidos pela cega certeza de que todos que os rodeiam ali estão para servi-los.

Esses dias presenciei (e tomei parte em) uma cena de filme, num pequeno restaurante local. Um senhor de idade destratou de tal modo a atendente das mesas que cheguei a querer me meter no imbróglio. Antes, porém, uma jovem na mesa à minha frente tomou as dores da atendente e observou, com admirável elegância:

- Senhor, por favor, seja minimamente educado, se não puder ser mais que isso. Essa moça merece todo o respeito e não há nenhuma razão para tratá-la desse jeito.

Pálido de espanto, provavelmente por nunca ter sido repreendido em público, ele reagiu de pronto:

- Cala a boca e não se meta! Esse assunto não é seu!

Sem perder a classe ou levantar a voz, a jovem retrucou:

- É meu sim. Aliás, é de todos que estão almoçando aqui, não é isso, gente?

E foi grande minha surpresa ao ouvir os presentes responderem em uníssono, num reflexo: “É isso.” Apesar da pressão, o senhor de idade não arredou pé:

- Agora virou mania defender essa gente! No meu tempo eles trabalhavam e faziam o que tinham que fazer, sem frescura!

Aí foi um grandão, na mesa atrás de mim, quem tomou a palavra, num tom menos polido que o da jovem:

- Pois é, mas esse é outro tempo. Tempo de respeitar. Ninguém aqui é seu empregado.

Feito uma criança mimada, o senhor de idade ainda ralhou:

- Ela disse que ia trazer minha comida e demorou… Não sei por que isso tem que virar assunto aqui!

Minha vez, pensei rápido. E disse a ele, em tom menor para manter a civilidade:

- Isso virou assunto pro senhor tentar ser mais gentil.

Embora tenha sequer me ouvido, mandou-me àquele lugar, num resmungo frouxo de quem não quer mais conversa. Os poucos comensais apenas se olharam, cúmplices, e a atendente das mesas disfarçou um sorriso de satisfação.

Em sua rudeza habitual, o senhor talvez não contasse com o coro dos sensatos na hora de sua refeição. Deve ter nos amaldiçoado ao chegar em casa, mas ouviu o que precisava ouvir.

A intolerância já foi longe demais, mas anda ainda a toda velocidade. Por isso (e por tantas tragédias que aqui não cabem), não aceitar esse tipo de comportamento me parece um dever cívico. Os lamentáveis episódios de truculência que presenciamos dia a dia - nas ruas, na internet, nos telejornais - devem ser combatidos com espírito lúcido e pacífico. Ninguém é empregado de ninguém; é, no máximo, empregado por alguém. E autoridade alguma, nem mesmo um provisório presidente da república, nos autoriza a destratar quem quer que seja.

Uma semana pacífica a todos, apesar da inflação.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.