Imagem ilustrativa da imagem UM DESSES IDIOTAS QUE ATÉ HOJE FICA EM CASA
| Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Sou um deles. E não apenas por cumprir o isolamento social, mas sobretudo porque não tenho tido muito o que fazer fora de casa. Sou ator e nosso ofício implica em aglomerações e contato físico direto, especialmente entre os integrantes do elenco. De maneira que sou um desses idiotas que até hoje fica em casa. Cinemas e teatros até hoje estão fechados. E ainda que estivessem abertos, pra que se dar ao trabalho? Tanto num caso como noutro, todos parecem ter aprendido a lição: preferem, por comodidade e baixo risco, teatro on-line e cinema em casa. Portanto, sou - e não somente eu - um desses idiotas que até hoje fica em casa.

Todos sabemos que certas atividades - eventos presenciais em geral - só serão retomadas quando pelo menos 70% da população estiver imunizada com as duas doses da vacina. Em quatro meses, menos de 10% da população brasileira recebeu as duas doses. Em quatro meses, menos de 20% da população recebeu uma dose. De modo que sou um desses idiotas que ainda fica em casa.

Mas apesar de ser um desses idiotas, sei que se o governo federal tivesse feito sua parte, negociando e garantindo as vacinas que lhe foram diligentemente oferecidas pelos fabricantes no ano passado, se não tivesse insistido num tratamento precoce sem eficácia comprovada, se tivesse promovido campanhas sobre os riscos da pandemia, se não tivesse estimulado aglomerações desnecessárias, não tivesse apostado numa irresponsável “imunidade de rebanho”, não tivesse subestimado a tragédia anunciada da falta de oxigênio, não atacasse aberta e sistematicamente o país que nos fornece vacinas com argumentos toscos baseados em hipóteses conspiratórias…

Enfim, se se tratasse de um governo realmente preocupado e ocupado com a saúde e o bem-estar dos cidadãos, eu e muitos outros talvez não fôssemos tão idiotas e nem precisaríamos ficar tanto tempo em casa, estarrecidos com a vergonhosa contagem de quase 450 mil vidas perdidas (até agora).

Se isso tudo fosse devidamente considerado, não teríamos passado por um colapso no sistema de saúde público e privado e, por conseguinte, não teríamos tanto receio de sair de casa. Ademais, nem é preciso ser tão idiota para constatar que, enquanto isso, o vírus evolui e torna-se mais contagioso e que se trata de uma doença perigosa, com notável grau de letalidade, que deixa sequelas imprevisíveis mesmo nos casos de pacientes recuperados.

Por essas e muitas outras, senhor Presidente, este idiota que até hoje fica em casa gostaria de solicitar a vossa excelência o mínimo de respeito e consideração pelos que entendem a situação de modo lúcido e responsável e não têm, por fim, outra opção senão evitar transmitir e contrair a doença que vem levando a óbito, em média, quase duas mil pessoas por dia no país que o senhor governa.

Pela atenção, obrigado.

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