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ADRIANO GARIB 5m de leitura

Ser de pouca opinião

ATUALIZAÇÃO
04 de maio de 2021

Adriano Garib
AUTOR

Já disse aqui, em minha primeira crônica, que sempre quis ser colunista. Mas não é fácil. É preciso muita opinião, descobrir opiniões, por vezes inventá-las. Amigo meu dizia, a título de sacanagem, que tinha pós-doutorado em Harvard “para não ter opinião”. “Haja teses para não ter opinião”, dizia, ostentando o reles paradoxo.

O fato é que todos as temos. E as exibimos aos ventos. Temos paixão por opiniões: pelas nossas, pelas alheias, pelas belas, pelas feias, pelas polêmicas, anêmicas… por toda e qualquer perspectiva que nos afaste da nulidade que nos assedia dia a dia. 

Outro amigo bradava: “Antes ter opinião do que se fazer de besta.” Eu replicava: “Às vezes, é grande alívio não ter opinião.” “Sim”, ralhava ele, “mas aí aguente firme o tranco!” Nunca tive que aguentar nada. Aturei foi cara feia. Mas cara feia pra mim é barriga cheia. Quem tem “fome”, trabalha. E trabalhar é melhor que exibir opiniões. Trabalhar, aliás, é uma linda opinião.

Muita opinião obscurece a visão. Eventualmente, tê-las é inevitável. Mas exibi-las me parece decididamente indecente. Houve já quem dissesse: “Quem acerta o alvo, perde o resto”. Mas nesse fajuto novo século há os que nos exigem um posicionamento sob a pena de perdermos a alma. Compreensível. Me exasperava, quando era pequeno meu filho, que ficasse indeciso entre guaraná e coca-cola. Hoje, ao que parece, o rapaz sabe bem o que quer. Ou talvez saiba, pois a cada dia mudam seus posicionamentos. Recentemente, virou-se com essa: “Pai, a Terra gira a 107 mil quilômetros por hora em torno do Sol!” Disse “pois é, filho, mas a gente se movimenta bem pouco sobre ela”.

Há também os que bem escondem suas opiniões, e não por covardia, mas talvez por ainda não tê-las cultivado o bastante. Nada mais pífio que uma opinião hesitante. 

Se não me agrada tanta opinião, ainda mais dar conselhos. Mas hoje abro uma exceção. Conselho: não se incomode por eventualmente não ter opinião ou não poder ou não querer tê-las. Seja a metamorfose constante, seja um seixo, que rola e não embolora. Em tempos de estúpidas polarizações e ansiedades digitais massacrantes, peixe vivo é o que não entrega sua opinião precipitadamente a qualquer incauto. 

Além do mais, nem todos precisam de opinião. Digo, da sua opinião. As minhas? Sempre achei que não fariam a menor diferença. Para chegar ao ponto de achar que minha opinião pode fazer alguma diferença ou convencer alguém de algo, haja estrada! Haja sapiência, prudência, experiência, e não somente boas experiências. A boa opinião, se é que existe, deriva de um conjunto de boas, não tão boas e péssimas experiências; não é possível compreender algo ou alguém sem ter cometido erros. O erro é uma dádiva. E o bom conselho, se é que existe, pode lhe impedir de errar, o que, convenhamos, não tem a menor graça.

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