Paulo José e Adriano Garib
Paulo José e Adriano Garib | Foto: Acervo pessoal

Conheci Paulo José em 1998. Por um golpe de sorte do destino, fui convidado a atuar na montagem de “A Controvérsia de Valladolid”, de Jean-Claude Carrière, traduzida, adaptada e dirigida por ele, e na qual também atuava.

Experiência privilegiada atuar ao lado de Paulo, dedicado e apaixonado homem das artes, mestre inevitável. Não fazia questão de ser mestre, simplesmente nos balizava com sua postura ético-artística rara e impecável. Chegávamos no teatro sempre uma hora e meia antes do início da sessão, e lá estava ele no palco, revisando seus textos e marcações de cena com admirável prazer e leveza. Prazer, humor, leveza, dedicação… atributos que sempre marcaram sua vasta e brilhante trajetória.

Entretanto, por conta dos protocolos, mantínhamos uma relação estritamente profissional.

Somente em 2001 vim a conhecê-lo de perto, e de um modo bastante atrevido. Eu e meu amigo Paulo Trajano, ator carioca, decidimos convidá-lo para nos dirigir num texto contemporâneo considerado “difícil” (“Na Solidão dos Campos de Algodão”, do genial autor francês Bernard-Marie Koltès), onde um negociador e um cliente se esbarram num beco escuro de uma grande cidade e iniciam uma negociação bem pouco convencional. Na ocasião estávamos temerosos de perturbar a paz e o sossego de Paulo, no alto da Gávea, onde morava. Mas qual não foi nossa surpresa quando sua secretária nos informou que ele consentiu em nos receber na calada da noite, pois queria conhecer o tal “texto difícil”.

Entramos em sua casa e o encontramos sozinho numa mesa enorme, debruçado sobre o texto da peça, atento como um cirurgião, com sua indefectível lupa a esquadrinhar as palavras de Koltès. Ele nos cumprimentou sem delongas e disse: “Esse francês não é só difícil. É um poeta foram do comum. Sentem-se. Vamos ler.”

Após a leitura, que fizemos num fôlego só, rolou um silêncio. Pensei: “Este homem não tem tempo a perder; vai nos oferecer um café e iremos embora com o rabo entre as pernas”. Ele nos ofereceu um chá e disse: “Um privilégio ser convidado pra dirigir esse texto. Quando começamos?”

A partir de então passei a entender o que de fato movia Paulo José no plano artístico: grandes desafios. Ele repetia durante nossos longos ensaios: “Se fosse fácil eu não estaria aqui. Nem vocês.” Com profunda afetividade e comprometimento profissional, conduzia tudo com leveza, inquietação e sapiência. E muita, muita paciência. Sua veia pedagógica fazia dele um professor notável. Após os ensaios tinha o hábito de permanecer no cenário, andando pra lá e pra cá, matutando incansavelmente no que havíamos acabado de produzir. E por vezes nos convocava de volta ao trabalho: “Podemos retomar daquele ponto? Acho que ainda não achamos o lugar…”

E quando descansa Paulo José e, no dia seguinte, Tarcísio Meira, ponho-me, aflito, a refletir: seremos capazes, das novas às mais maduras gerações, de ocupar o nobre lugar no qual homens de ofício como eles passaram a vida produzindo obras extraordinárias?

Obrigado por tanto, Paulo José! Muita sorte ter te encontrado nessa vida! Evoé!