Esses dias topei com um documentário sobre o crescimento exponencial de condomínios no Brasil e me pus a refletir sobre o que nos leva a querer morar em casas cercadas de grandes muros, entre “iguais”, todos igualmente cercados de muros, isso tudo protegido por super muros.

A primeira resposta é óbvia: queremos paz e segurança máxima, entre pessoas de classe social similar a nossa, com nosso próprio lazer, nosso próprio bosque, nossas próprias ruas, infraestrutura etc. Em suma, queremos nossa própria cidade dentro da cidade, o que hoje, não sem certa troça, usa-se chamar de “feudos”. Feudos são super condomínios cujo padrão de valores é tão elevado que nem é preciso selecionar os potenciais interessados: só gente muito “rica” pode adquirir uma unidade num empreendimento com tal perfil.

Nunca morei numa vila cercada de muros farpados, sistemas de alarme e um time de futebol de seguranças operando 24 horas por dia, mas fico tentado a imaginar como se dão as coisas entre as famílias que ali residem. A tendência é que essa cidade dentro da cidade tenha lá seu espírito comunitário, que todos se conheçam e mantenham entre eles um convívio supostamente harmonioso. Mas o que alguns estudos sociológicos recentes revelam é bem menos florido do que esse panorama idílico.

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. | Foto: Adriano Garib/ Divulgação

Segundo consta, o que leva os “cidadãos de posse” a ansiar por isso, além das óbvias vantagens, é um desejo profundo de, através de uma territorialidade radicalmente exclusiva, tangenciar as enormes desigualdades que vicejam fora de seus grandes muros. De fato, as diferenças tendem a desaparecer. Mas uma vez maquiadas as grandes diferenças, resta aos habitantes dos super condomínios digerir as chamadas pequenas diferenças. Ao que parece, grande parte dos problemas ocorridos entre os residentes desses gigantescos cercados se dá em razão de minúsculas desigualdades, o que vem causando, segundos os estudos, uma gama complexa de conflitos no “convívio supostamente harmonioso”.

Comparar sapatos caros, carros importados, cargos executivos e vinhos raros (e fazer disso um problema) num país como o nosso - embora bastante recorrente entre “famílias de posse” - parece profundamente fútil e perverso. E dá a conhecer a cultura coletiva decadente que impera no interior dos feudos. Trata-se, antes de mais, de uma cultura de exclusão e exclusividade, quase sempre ligada a aspectos puramente materiais e hierárquicos, como poder e dinheiro.

Se considerarmos justamente as estúpidas brigas por dinheiro e poder que vêm nos soterrando em misérias há séculos, causando o genocídio de pretos e pobres nas periferias das grandes cidades e levantando muros cada vez mais altos, talvez aceitemos o mais recente conselho do Papa: invistam dinheiro de armas contra a covid-19 e garantam vacina para todos. Eu ousaria acrescentar: invistam dinheiro público em políticas públicas decentes, oxigênio, imunização e programas de vacinação, ao invés de usá-lo para comprar deputados e senadores.