É um professor aposentado, pra lá dos 70, que adora bater a minha porta pra conversar. Acho tão notável esse negócio que decidi compartilhar um trecho do meu mais recente diálogo com ele. Não posso citar nome, mas sinto-me a vontade para mencionar o fato de se tratar de um extraordinário pensador. Toda semana faz soar nossa campainha; não tem horário fixo, mas em geral o faz entre 6 e 7 da noite. Minha esposa quase sempre lhe oferece alguma coisa pra beber ou mastigar, mas ele quase sempre declina educadamente, como a dizer que está ali para conversar, não para se distrair.

.
. | Foto: Juliana Boligian/ Divulgação

- Você já leu Nietzsche, me perguntou.

- Não o bastante, eu disse.

- No “Humano, demasiado humano” ele vai dizer: “Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo”.

- Faz sentido, eu disse. Se não aprendermos a parar e reavaliar, parar e reciclar, parar e pensar, parar e meditar, parar e descansar… acho que não aguentaremos o tranco.

- Esse jogo já perdemos, ele disse. Fomos derrotados e pisoteados. Mas insistimos em mantê-lo pelas aparências. O problema é que um jogo não se faz pelas aparências.

- O que o senhor teme, perguntei a ele.

- Estou prestes a morrer. Acho que temo minha morte acima de qualquer coisa. Você não?

- Não sei mais o que pensar sobre a morte, disse a ele.

- Não vale a pena pensar sobre isso.

- Perguntei o que o senhor teme acerca do assunto “barbárie”.

- Não temo nada, ele disse. A barbárie é inevitável. Será nosso presente.

- Ainda não sei como, disse a ele.

- Você saberá, sussurrou-me com um sorriso.

- O senhor me responderia uma pergunta difícil, perguntei.

- Amo as difíceis, ele disse.

- Crês que um dia seremos governados por sábios?

- Creio que um dia não precisaremos de governantes.

- Mas e enquanto isso, perguntei.

- Enquanto isso o quê?, rebateu.

- Enquanto precisarmos de governantes?

- Enquanto isso veremos passar todo tipo de governante, ele disse.

- E o Mujica, perguntei.

- O Mujica é um extra-terrestre que governou o Uruguai por um tempo, depois voltou pro seu fusca azul.

- Ele não é um bom indício de que podemos eleger homens sábios ou no mínimo razoáveis pra nos governar?, insisti.

- Por certo que podemos, exclamou. Mas a democracia é uma ciranda que gira imprevisivelmente. Como prever a direção do voto de milhões de pessoas? Impossível. Podemos ter Mujicas, mas eles jamais serão o padrão.

- O senhor não tem uma boa notícia pra nos dar, perguntei para provocá-lo.

- Tenho sim, ele disse. Essas festas de fim de ano serão as melhores do último século.

- Por quê?

- Você ainda pergunta? Nunca fomos tão afrontados! Estamos em vias de redescobrir o valor da amizade e de reuniões familiares. O amor está em voga. É a única arma de que dispomos para dispersar nossas angústias.

- Soube que veremos no céu a estrela de Belém, eu disse. Há 800 anos isso não acontecia.

- Sim, ele disse, a conjunção de Júpiter e Saturno no céu não poderá ser ignorada. Afinal, serão dois gigantes, nossos irmãos maiores, num alinhamento cosmicamente raro. Vai ser lindo, ele disse.

- Feliz Natal, professor.

- Feliz Natal, meu jovem.