Um amigo me disse que ultimamente tem sofrido muito para dormir e ao acordar. Perguntei o porquê. “Quando vou dormir, penso: vou dormir com uma situação dessa?! Quando acordo, penso: estou acordando nessa situação?!”

A pandemia prolongada, e as tantas limitações de trabalho, negócios, encontros e lazer - além de ter que ficar mais em casa, lidar com terríveis notícias todos os dias e perder entes queridos - vem causando graves danos psíquicos. Haja saúde mental para aguentar o tranco!

A propósito, nunca se falou tanto em saúde mental. Os psicólogos e psiquiatras, suponho, devem estar trabalhando sem parar para atender a enorme demanda de desgostos e sofrimentos. Manter o equilíbrio psíquico é (sempre foi) de suma importância para não perdermos as rédeas da vida. Mas é quase como se o mundo estivesse descobrindo isso agora, o que indica o quanto a saúde mental é subestimada e o quanto uma crise brutal e profunda nos afeta diretamente, ao contrário do que tantos alardeiam por aí.

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. | Foto: Adriano Garib/ Divulgação

Outros se queixam, com total justeza, de que é difícil (senão impossível) manter a autoestima e o ânimo frente a um cenário de mortes evitáveis tão devastador e as incertezas geradas por esse caos sem precedentes (perdoem o lembrete, mas se alguém, nessas alturas, não for capaz de ao menos reconhecer o caos, - que deixou de bater à nossa porta, pois já invadiu nossa casa - sofre de algo talvez pior que o negacionismo; sofre da “cegueira branca” que Saramago alcunhou em seu notável “Ensaio sobre a cegueira”).

Disse ao meu amigo que apesar de toda dor, e talvez por isso, temos de seguir vivendo nossas vidas do melhor modo possível, atentos a nós e aos outros. Ele enrubesceu, suas pupilas se dilataram: “Conversa! Clichê de boteco pra justificar a má consciência. Essa peste destrói nossa liberdade.” Isso tudo condiciona nossa liberdade, respondi, mas não a destrói. Inúmeras coisas estão ao nosso alcance. Ele me pediu exemplos, mas limitei-me a mencionar a fé e a esperança como poderosos antídotos. “Mas aí você está me convocando a acreditar em Deus”, ralhou. De forma alguma, objetei; você pode crer no que quiser, mas se não acreditar na bondade humana, aí ficaremos sem saída. “Como posso acreditar na bondade?”, indignou-se; “o ser humano é bicho ruim por natureza, basta folhear qualquer compêndio de história. E fé e esperança são remédios frágeis demais.” Sem conseguir evitar o lugar comum, observei: a esperança é a última que morre. “Mas morre”, ele arrematou.

Para dar o papo por encerrado, citei a pertinente reflexão do escritor Caio Fernando Abreu: “Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.”

Por isso, reafirmo a saúde total (mente sana in corpore sano) como um fundamento em qualquer circunstância, que dirá em meio ao caos. Mas sem uma postura combativa, proativa, positiva e solidária frente a essa calamidade, sem deixar faltar a mais lúcida atitude crítica, estaremos em maus lençóis. E se é verdade que a fé não costuma falhar, andar sem ela por aí me parece imprudente. Ainda bem que, como reza a canção de Gil, hino de nosso tempo, “mesmo a quem não tem fé, a fé costuma acompanhar.”

Uma semana melhor a todos.

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