Dia desses dei boas risadas com uma tira do Caco Galhardo, publicada na Folha de S.Paulo. Nela vemos uma jovem esparramada na cama, diante de seu computador, fazendo o queixume: “Ai que tédio! Nada pra fazer… Bora se irritar com a política!” Tirada certeira. Quando não nos ocupamos, caímos na armadilha: nos deixamos consumir só por querelas políticas. Não que não haja bons motivos pra isso nesse Brasil de agora, mais próximo de um vaudeville do absurdo do que de um país, mas fato é que militar na internet virou, de 2013 pra cá, uma febre viral altamente contagiosa.

O debate que isso promove, quando promove, às vezes nos esclarece, outras nos confunde e até amedronta. Vozes mais exaltadas, não muito afeitas ao diálogo, espanta os ingênuos e os razoáveis e atrai os mais radicais, quando não os assumidamente brutais. Entre os brutais há os que mal sabem escrever, cujas risíveis imposturas são indignas de crédito, e os donos de uma certa retórica e até de alguma “erudição”, embora quase sempre me soe pernóstica essa pecha erudita preparada, forjada a cliques no Google e citações, muito frequente em redes sociais. Ademais, os cheios de razão em geral fazem uso de argumentos tóxicos, com a nítida intenção de parecerem cruéis, lacrantes e ameaçadores, como se soubessem de algo que nós, os mortais, estamos longe de saber. E é como se a “posição política” que ostentam, com notável segurança crítica, excluísse qualquer possibilidade de refutação e qualquer outra postura que faça choque menos com suas convicções do que com suas crenças. O “não é assim que entendo” virou “não é nisso que acredito”, o que enseja os mais criativos delírios e, por fim, encerra a conversa. E ficam todos confortáveis em suas bolhas flutuantes no infinito ciberespaço, cada qual com seus dogmas intocáveis, alérgicos a qualquer perspectiva dialógica.

Com o tempo, isso gera muita solidão e ressentimento.

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. | Foto: Adriano Garib/ Divulgação


Assim, gostaria de propor aqui um experimento anti-estresse. Quando estiver prestes a apanhar seu celular ou tablet ou a sentar-se diante da tela de seu computador, ao invés de errar pela web espalhando clichês e bravatas, escreva uma carta de amor, dê umas voltas de bicicleta, leia um bom livro, medite a céu aberto, faça um piquenique, ouça um disco em silêncio, fotografe horizontes, ligue pra alguém com quem não fala há um tempo, passe um café, assista àquele filme, organize suas gavetas, doe suas roupas em desuso, tome um banho de olhos fechados, abrace uma árvore, coma uma fruta, toque um instrumento, aprenda outra língua, faça aquele negócio que você adia há anos, dance pelado, cante um fado, tenha fé, cultive esperanças, desenhe e pinte com lápis coloridos, reze com fervor, faça amor com a pessoa amada, fale da vida com a pessoa próxima, faça planos, refaça planos, arrume motivos pra rir, chore a gosto, estude um assunto do seu interesse, use máscara, lave as mãos, vacine-se, escreva um livro, marque um zoom meeting, durma um pouco, sonhe se possível…

Em meio ao caos, estamos deixando de sonhar. Em meio ao caos, estamos ficando sem desejos. Em meio ao caos, estamos secando. No fim das contas, o caos é eterno. Nós somos apenas finitos. Nada é mais urgente do que cultivar o tempo do melhor modo possível.

Boa semana a todos; que isso seja possível.