Na peça “Esperando Godot”, clássico do escritor irlandês Samuel Beckett, dois mendigos esperam Godot num local indefinido, onde consta apenas uma árvore seca numa paisagem deserta. Não sabemos quem é Godot, mas os dois personagens nos fazem saber que se trata de alguém que poderá “salvá-los”. A peça é dividida em dois grandes atos, em que os mendigos procuram preencher o vazio, apesar de não terem nada pra fazer ali senão conversar e matar o tempo com jogos e digressões filosóficas que em nada contribuem para aplacar a angústia da espera.

No final do primeiro ato surge um menino. Ele vem informar que “o senhor Godot não pôde vir hoje, mas virá amanhã, sem falta”. Isso cria a expectativa de que no segundo ato Godot apareça. No final do segundo ato vem novamente o menino e anuncia: “O senhor Godot não pôde vir hoje, mas virá amanhã, sem falta”. A história termina com os dois mendigos, resignados, esperando Godot. Fica a impressão, para quem lê ou assiste a peça, de que apesar de Godot estar demorando ou talvez nem aparecer, os mendigos continuarão ali, pois não há outra coisa a fazer senão esperar.

A peça rendeu a Beckett o Nobel de literatura em 1969. Caso único em que uma peça teatral é contemplada com o célebre prêmio (em geral a premiação contempla o “conjunto da obra”), a decisão gerou severas controvérsias entre os jurados. Alguns alegaram que a obra soa por demais “pessimista”, mas prevaleceu o juízo (sensato, a meu ver) que atribui a “Esperando Godot” uma síntese extraordinária da “condição humana” e uma ode a esperança. Afinal, apesar de Godot não ter aparecido, os mendigos seguem esperando…

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. | Foto: Cláudio Francisco da Costa/ Divulgação

Estamos hoje numa situação notavelmente parecida com a dos dois mendigos de Beckett. Esperamos a vacina sem saber quando virá. Mas isso não abala nossas esperanças ou, em todo o caso, não deveria abalar. Enquanto esperamos (pois o problema não é a espera, mas o que fazer enquanto isso), ocupamo-nos de nossas vidas com o devido empenho, alguns com mais sorte - pois a pandemia não os impede de trabalhar, produzir e ter seu sustento garantido - e outros à beira de um ataque de nervos ou, como diria Cioran, “nos cumes do desespero”, já que estão parcial ou totalmente impossibilitados de trabalhar nesse cenário nebuloso.

Para muitos vêm sendo profundamente espinhoso enfrentar uma situação em que talvez tenham que mudar de profissão (ou inventar uma) para seguirem sobrevivendo, especialmente num mundo cada vez mais instável, frente a perspectivas difíceis e gigantescos desafios a serem superados. Mas talvez os “mendigos” de Beckett sejam uma pista preciosa: eles indicam que, seja lá o que for que aconteça, devemos abrir mão do que não é essencial para o livre curso de nossas vidas e, acima de tudo, que não poderemos prescindir de uma sóbria paciência para não sermos engolidos pela desesperança.