Abordava-me todo santo dia na esquina de casa, no mesmo horário, para saber as horas. Sou um desses privilegiados que insiste em andar a pé, e esse cidadão - um sujeito “normal”, se isso ainda existe - gostava de me pedir as horas. Sou um desses que ainda usa relógio de pulso, mas quase ninguém mais me pede as horas, todos têm celular, onde constam as horas em números grandes. De toda maneira, alguns ainda me pedem as horas, e eu sempre digo com polidez, sou incapaz de destratar alguém que me pede as horas, é bastante comum querer saber as horas, as pessoas têm essa coisa com o tempo, precisam saber quanto tempo elas têm ou se ainda têm tempo.

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. | Foto: Adriano Garib/ Divulgação

Então o cidadão me pedia as horas sempre na mesma hora, parecia que só queria confirmar se a hora era aquela que ele já sabia, sabe? E eu sempre dizia “14 e 30”, sempre com o mesmo sorriso, como se ele nunca tivesse me perguntado, chegava a fingir surpresa para não constrangê-lo, acho deselegante fazer cara de “pô, de novo cê tá me pedindo as horas?”, afinal é só olhar o relógio e dizer as horas, e eu poderia nem olhar, pois sabia que eram 14 e 30. Assim mesmo eu olhava. Eu olhava o relógio e dizia as horas com polidez, não me custava nada.

Com tempo - o tempo é engraçado - comecei a achar - veja que eu disse achar - que o tal cidadão tinha alguma outra intenção fora saber as horas, e que essa possível outra intenção nada tinha a ver com as horas, tinha talvez mais a ver comigo. Foi quando comecei a me perguntar que diabos ele iria querer comigo, sou indigno do interesse de quem quer que seja, transparente de invisível, de máscara então nem se fala, nada em mim chama atenção, até os vira-latas me ignoram, ninguém me olha de verdade, a menos que seja para pedir as horas, então isso me deixou meio tenso, essa suposição que eu criei na minha cabeça me deixou meio… sei lá, meio cabreiro.

Um belo dia ele decidiu - além de me pedir as horas - me fazer uma pergunta: “Você concorda que o tempo não existe e tudo não passa de uma grande ilusão?” “Não concordo”, eu disse, de supetão, direto, sem vacilar. Ele suspirou e devolveu “por que não?” “Porque acho que o tempo existe e tudo não passa de uma grande desilusão”, eu disse.

Depois desse dia ele nunca mais me pediu as horas. Eu me aproximava da esquina, animado com a possibilidade d’ele me pedir as horas, mas ao invés disso ele dizia, num sussurro, só para os meus ouvidos: “Desilusão…”. E seguia seu caminho, sem olhar para trás.

Até o dia em que não o vi mais naquela esquina.

Soube, algum tempo depois, que havia me confundido com alguém “importante”. Parece que me pedia as horas para manter comigo alguma espécie de contato. Quando notou que eu era um cara comum, decidiu me provocar.

Se você, cidadão, por alguma curiosa causalidade do destino, ler essa crônica, seguem aqui minhas mais sinceras desculpas: por não ser quem você esperava e pela resposta um tanto desalentadora à sua pergunta.