A muita gente a dura expressão “isolamento social” causa verdadeiros calafrios, pânico inclusive. Afinal, fomos educados a nos aglomerar sempre mais. Nossa noção social, em todas as classes e guetos, é profundamente marcada pela necessidade do encontro e do abraço. O Carnaval, nossa maior festa popular, atesta o que digo.

O fato é que desde o início da pandemia, há quase 9 meses (o tempo de uma gestação), estamos, com esforço e dificuldade, tentando cumprir o mandamento que nos exorta a manter distância segura uns em relação aos outros. Contudo, parece evidente que para muitos tal “nova-ordem” não cai bem. E o que se vê por todo o Brasil são ruas e praias lotadas, festas e aglomerações de todo o tipo, gente sem máscara em ambientes fechados etc. E dá-lhe aumento nos casos, superlotação das UTIs e média móvel de óbitos subindo.

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. | Foto: Adriano Garib/ Divulgação

Como genialmente propôs o escritor argentino Jorge Luis Borges, se tivéssemos a assombrosa visão da lei de causa e efeito em funcionamento, se fôssemos capazes de “ver” o que uma ação ou atitude ou palavra por nós proferida causa a outro que causa a outro que causa a outro, até o lamentável desfecho final em que alguém morre ou é prejudicado, talvez nos tornássemos mais prudentes. Mas tendo a crer que nem mesmo assim certos cidadãos se convenceriam da necessidade de retidão e atenção, não somente consigo mesmos, mas sobretudo com os outros.

Vejo com frequência alguns se gabarem de não terem medo do vírus, com argumentos toscos como o fato da taxa de contaminação não ser tão alta, os hospitais estarem cada vez mais preparados para receber novos doentes e os profissionais da área de saúde já terem estabelecido protocolos de atendimento relativamente seguros. É esse tipo de mentalidade canhestra e simplificadora que, via de regra, faz pouco ou despreza dados alarmantes sobre a pandemia. Irrite a quem irritar, vamos mais uma vez a eles!

Já que estamos devidamente globalizados, podemos assegurar que essa “gripezinha” já vitimou, mundo afora, até o primeiro dia de dezembro, 1.471.553 pessoas; o total de casos, no mesmo período, foi de 63.409.415, afora o grande volume de subnotificações em todo o planeta. Nosso Brasil está em terceiro lugar no ranking, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. Por aqui, no mesmo período, o vírus vitimou 173.120 pessoas e contaminou 6.335.878. São quase 30 mil casos a cada um milhão de pessoas (dados oficiais fornecidos pela OMS).

O que me leva a concluir que fazer pouco de tal estimativa pode até ser “possível”, mas não me parece aceitável. Como me parece uma insanidade contar com uma “imunidade de rebanho” a médio ou longo prazo sem uma vacina segura a curto ou médio prazo. Por uma razão matemática (e lembrem-se: matemática não é questão de opinião, apenas de números que revelam fatos): cerca de 70% da população precisaria se recuperar efetivamente da infecção pelo coronavírus para a imunidade de rebanho acontecer naturalmente. Para se chegar a isso, no entanto, o cenário pode ser catastrófico, pois uma taxa elevadíssima de mortes ocorreria antes disso. Só em Minas Gerais, por exemplo, esse número poderia chegar a 150 mil vidas perdidas (dados oficiais fornecidos pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais).

Não bastasse esse cenário, somos obrigados a ouvir de nosso Presidente da República, a propósito da maior crise sanitária dos últimos 100 anos, que temos que “deixar de ser um país de maricas”. Está me parecendo mais sensato, excelentíssimo senhor, deixar de ser um país de irresponsáveis.