Borges e Kafka
Borges e Kafka | Foto: Adriano Garib

Devia falar de política, mas vou falar dos gatos que convivem comigo, ou com quem convivo. Sim, a ordem dos fatores altera essa equação: se convivem comigo, temos uma configuração territorial bem definida: eu mando e certas regras devem ser obedecidas. Já se convivo com eles, são eles que me permitem, com certa relutância, ocupar seus espaços. Tenho às vezes a nítida impressão de que sou eu a visita e eles os anfitriões. Gatos não são muito afeitos a regras.

Borges & Kafka: um persa exótico, pelo baixo (claro) & um siamês americano (escuro). Tese & Antítese, sem síntese. Vladimir & Estragon. Roberto Carlos & Erasmo Carlos. Stan Laurel & Oliver Hardy. Butch Cassidy & Sundance Kid. Ozu & Mizoguchi. Milionário & José Rico. Minha esposa os rebatizou de Bolota & Zé Pretinho. Enfim, a dupla da foto diz tudo. Tive também o Bukowski, mas precisei doá-lo a uma amiga. Dois gatos é uma associação; três, formação de quadrilha; quatro, máfia; de cinco pra cima é cartel.

Quem convive com felinos sabe bem. Charles Bukowski os amava e compôs seu “Sobre Gatos”. William Burroughs, em seu “O gato por dentro”, versa sobre o “intercâmbio telepático” que mantinha com seus felinos. Para os egípcios eram deuses. Para Edgar Allan Poe, maldições. Nicole Kidman é uma. Louis Armstrong dormia com um. Yuri Gagarin levou um pro espaço, dizem, dentro de seu uniforme indevassável. Lenda astronáutica, depois soube. Tente ensacar um gato. Melhor não. Nem se meta a besta em acuá-los. Se ficar nervoso, fique longe deles: são espelhos cristalinos. Se fores suave, ronronam em sua mão. Se gritares, somem e se escondem nos armários. Se persegui-los com uma vassoura, prepare-se para a guerra. E cuidado! O bote é imprevisível, incompreensivelmente rápido e, às vezes, fatal. Unhas são facas e a dentada machuca à beça!

Dizem que os felinos foram domesticados porque comiam os ratos que devastavam as lavouras. Graças a eles o bicho-homem fazia suas colheitas com regularidade. Em sinal de gratidão, muitos se afeiçoaram aos bichanos. Há relatos de antigas ossadas humanas entrelaçadas aos esqueletos de seus gatos. Mas basta conviver com eles para entender que, na real, não há como domesticá-los. Fazem o que querem e não atendem pelo nome. Interesseiros, sexys, carentes, desconfiados, egoístas e, não se engane, vastamente inteligentes. O cineasta Stanley Kubrick conta que toda vez que pensava em dar banho em sua gata, ela se escondia, o que o fez supor que gatos leem pensamentos. Eu não me surpreenderia. Toda vez que apenas me lembro de cortar as unhas dos meus, eles somem! Já tentou cortar as unhas de um gato? Boa sorte.

Em todo o caso, para os fan clubes não dizerem que estou difamando ou depondo contra os bichanos, devo admitir que, no fundo, eles só querem carinho. São cheios de amor pra dar, desde que você os acaricie por um tempo. Mas fique atento. Se você se excede nos carinhos, eles começam a mordiscá-lo. Ainda bem que, como felinos domésticos, suas mordidas são quase sempre inofensivas. Evite, portanto, os grandes felinos. Os pequenos o farão feliz.