Soube que casamentos andaram desabando nessa longa quarentena. Casamentos desabam com frequência, especialmente na sociedade urbana desagregadora, trabalhista e individualista das últimas décadas.

Mas nessa pandemia as condições de rompimento se dão num ambiente imprevisivelmente específico. Quem diria que os pares teriam que encarar o dia a dia sem subterfúgios, dividir o mesmo espaço por mais tempo que o normal, muitas vezes rodeados de filhos cheios de novas demandas, eles próprios com novas demandas etc. É muita mudança pra processar de uma só vez. Isso tem o poder de alterar a própria natureza da relação. Sim, a adaptabilidade é grande, muitos casais enfrentam esse período com firmeza e, apesar das baixas, parecem capazes de reatar laços perdidos. Ponto para eles.

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. | Foto: Adriano Garib

Acontece que a “extensão de contato”, como diz um amigo, cresceu consideravelmente no confinamento. E isso naturalmente gera novos e imponderáveis conflitos. O trabalho fora de casa em geral alivia as tensões domésticas do casal. Os programas separados de um e de outro tendem, de igual modo, a amenizar o inevitável desgaste do convívio entre quatro paredes.

Mas e quando os escapes desaparecem todos, de uma hora pra outra? Daí pipocam outros entraves, o que aliado a insegurança decorrente de uma situação tão dramática pode levar a certas complicações. Nada como os problemas de sempre para um casal. Frente a conflitos recorrentes criamos soluções recorrentes, o que dá alguma margem de “imunidade” ou de sobrevida ao relacionamento. Mas se há um negócio que envenena o confortável acordo matrimonial (ainda que seja um acordo cheio de pontas soltas), são os novos problemas. Isso explica a razão pela qual os pares evitam a simples admissão de que algo não-familiar está se infiltrando e perturbando a familiaridade em que empenham tanto esforço e tempo para construir.

Um outro amigo, metido a sociólogo sentimental, gosta de dizer: “Volatilidade, seu nome é casamento”. Há certa justiça nessa troça. Esses dias, ao mencionar a ele a complexa questão dos casais em quarentena, me saiu com essa: “Que nada! Lenda urbana! Sabia que é a primeira vez , talvez em séculos, que os casados fazem amor com mais frequência do que os solteiros?” Quiçá esteja sendo assim, repliquei. “Quiçá o quê!”, ralhou. “Certeza! Sabe aquela desculpa esfarrapada deles de que não tinham tempo para o amor? Caiu por terra. Agora estão tendo que criar condições para o amor, pois tempo eles têm de sobra. Até porque não tem pra onde correr. Quem vai querer mudar de endereço em plena pandemia?”

Oxalá o confinamento ajude os casais a resolverem suas pendências afetivas, de uma ou outra forma. Torço por isso.